Consciência Moral
Na imensa literatura sobre o conceito de consciência produzida na história da filosofia, em especial na área da filosofia moral, é sem dúvida na obra de Kant que encontramos as concepções mais elaboradas e com maior impacto para o pensamento filosófico contemporâneo. Sendo assim, faz sentido que exploremos em determinados textos de Kant algumas formulações daquele conceito e nos concentremos em certos aspectos da sua argumentação a favor da sua centralidade e autonomia num sistema de filosofia moral. Contudo, antes de iniciar esta exploração do conceito na obra kantiana, será conveniente sublinhar que, na filosofia contemporânea, aquilo a que chamamos “consciência moral” tem sido explicado, tanto na sua génese, como nas suas funções, de formas diferentes e até contraditórias relativamente à concepção de Kant. Sem elaborar sobre este tema (ele próprio merecendo um tratamento à parte – veja-se, neste mesmo Dicionário de Filosofia Moral e Política, a entrada Ética Evolutiva), é possível afirmar-se que muitos filósofos contemporâneos compreendem a consciência em geral e a consciência moral em particular, como um resultado da evolução da espécie e da espécie humana em particular.
A posição das éticas evolutivas
Tais teorias têm os seus antecedentes, quer na filosofia de Nietzsche, quer na teoria darwinista da evolução das espécies. A grande maioria desses autores não nega que de facto exista a consciência moral, simplesmente esta ter-se-á desenvolvido e continua a operar como um fenómeno de base biológica, o qual preenche determinadas funções na evolução da espécie humana. Autores representativos da filosofia contemporânea da mente e da linguagem como Daniel C. Dennett (1942-) ou John Searle (1932-), apesar das suas diferenças, têm de comum uma compreensão da consciência como um fenómeno que não é isolável de outros aspectos da vida no sentido propriamente biológico e que desempenhou um papel crucial na evolução da espécie. Para estes autores é do ponto de vista natural/ orgânico ou evolucionista que se deve olhar para esse fenómeno e avaliar as suas qualidades ou vantagens. O facto de sermos conscientes de certas coisas processadas pelo nosso próprio corpo e de não sermos conscientes doutras coisas, também aí processadas, apenas pode ter um significado: foi mais útil à evolução da nossa espécie que tenhamos consciência da diferença de cores, por exemplo, do que ter consciência do nosso processo digestivo normal (Searle 2002: 29-31) Nesta linha de filosofias naturalistas e evolucionistas há evidentemente diferenças significativas que não devem ser menorizadas. Por exemplo, a existência da componente subjectiva para a explicação de certos fenómenos. De facto, entre os partidários da explicação evolucionista, há filósofos que tendem a reduzir, uns mais radicalmente do que outros, a consciência a processos físicos e por isso eliminam qualquer componente subjectiva, própria da primeira pessoa. Por exemplo, aquilo a que chamamos a consciência ou sentimento de calor deve ser compreendido só, e apenas só, como movimentos de moléculas com uma certa energia cinética. Para a compreensão deste fenómeno, nessa perspectiva mais reducionista, não é necessário acrescentar qualquer elemento subjectivo ou qualidade secundária, como os filósofos modernos designavam as sensações de cor, cheiro, sabor, etc. Daniel C. Dennett, por exemplo, propõe uma perspectiva claramente reducionista dentro da teoria evolucionista da consciência, ou seja, uma perspectiva para a qual aspectos subjectivos da consciência ou aquilo a que chamamos “intencionalidade” se desenvolvem num quadro de evolução darwinista da espécie. Nas suas palavras,
Existem dois caminhos para a intencionalidade. O caminho darwinista é diacrónico ou histórico e diz respeito ao gradual crescimento, durante biliões de anos, de espécies de design – de funcionalidade e de finalidades – que podem suportar uma interpretação intencional de actividades de organismos (os “fazeres” de “agentes”). Antes da intencionalidade ter adquirido asas, teve que passar pelo seu desajeitado e feio período de pseudo-intencionalidade nua […]. Isto é o que é a mente – não uma máquina milagre, mas uma gigantesca amálgama de máquinas mais pequenas, semi-desenhadas e auto-redesenhadas, cada uma com a sua história de design, cada uma desempenhando o seu próprio papel na economia da “alma” (Dennett 1996: 206).
De uma forma ainda mais clara, acrescenta que
a não ser que o dualismo e o vitalismo sejam verdadeiros (situação em que temos de meter em nós algum ingrediente extra e secreto), somos feitos de robots – ou, o que vai dar no mesmo, de uma colecção de triliões de máquinas macromoleculares. E todas estas descendem em última análise de macros originais. Assim, algo que foi feito de robots pode exibir consciência genuína ou genuína intencionalidade. (Dennett 1996: 206).
Se agora estendermos à moral este tipo de concepção evolucionista e reducionista da consciência e da intencionalidade, encontramos coerentemente a seguinte posição comum: os valores morais e virtudes, tais como o altruísmo, a honestidade, a igualdade, a generosidade, etc., assim como sentimentos que estruturam a consciência moral, por exemplo, culpa, dever ou regras morais em geral, são conceitos-instrumentos úteis à vida, desenvolvidos e activos ao longo da evolução. Hoje, autores da filosofia moral como Ken Binmore (1990; 1994; 2005) ou Allan Gibbard (1990) defendem que a consciência moral apenas é compreensível se adoptarmos o ponto de vista da adaptação dos indivíduos e da comunidade, sob a pressão da evolução. Culpa, reconciliação, vergonha e um sem número de sentimentos morais são o resultado de longos processos de adaptação, tal como o comprimento do pescoço de uma girafa ou o sistema perceptivo de um morcego.
A consciência moral do ponto de vista de uma racionalidade prática
Para qualquer das posições acima mencionadas, a consciência moral não possui autonomia face ao determinismo biológico ou cultural. É precisamente neste ponto que a filosofia moral de Kant, assim como as que a continuam, se distancia das filosofias evolutivas contemporâneas que praticam espécies diferentes de reducionismo biológico. A diferença essencial é que, contra qualquer determinismo desse tipo, a acção humana é compreendida como podendo envolver motivações ou causas, cuja origem se encontra naquilo a que Kant chama racionalidade prática, a qual é exercida por cada pessoa, individualmente considerada. Trata-se de uma faculdade que os sujeitos têm de representar fins, os quais funcionam como motivos ou causas das acções do próprio sujeito e que este considera como sendo motivações genuinamente suas. Será possível pois defender a existência de uma consciência moral a partir do momento em que aceitamos que o sujeito é capaz de avaliar as suas acções como algo que pode escapar a determinismos, quer de ordem biológica, quer cultural. Passa a ser plausível que alguém que se considere liberto desse determinismo forme, por exemplo, um sentimento de responsabilidade ou uma consciência de culpa que não formaria se considerasse as suas acções apenas como o resultado de forças que em última análise o condicionam. É evidente que é possível questionar a verdade dessa suposição por parte do indivíduo: não será auto-ilusório afirmar que esta ou aquela acção, esta ou aquela decisão são genuinamente nossas, interiores, independentes de qualquer determinismo eterno? A demonstração de que de facto existem motivações para a acção genuinamente internas constitui o eixo argumentativo da filosofia moral de Kant. Se essa demonstração tiver sucesso, faz sentido acrescentar que o sujeito moral é alguém que dá regras a si mesmo. É nesta linha que se deve aprofundar a teoria kantiana da consciência moral.
No quadro de uma teoria da racionalidade prática, a consciência moral desempenha um papel central na filosofia moral kantiana e a conexão deste conceito com outros dessa filosofia é sistemática e não contingente. É o que Kant designa com a palavra alemã Gewissen, cujo estatuto é caracterizado por vezes ambiguamente, uma vezes como instinto (por exemplo, nas suas lições sobre ética da década de 80), outras vezes como uma predisposição intelectual e moral (na sua obra tardia, Metafísica dos Costumes, de 1797). Assim, é o significado e função sistemática do termo Gewissen que vamos explorar no que se segue. Desde logo, há que ter em atenção que o termo Gewissen tem uma necessária ligação com a prática do juízo moral, aspecto que, como veremos a seguir, é de grande importância para a caraterização da consciência moral. Um outro elemento importante para o esclarecimento da sua estrutura é, para além dessa ligação ao juízo, a associação com sentimentos específicos dessa consciência. Embora Kant pretenda manter a sua concepção de moralidade independente de uma teoria dos sentimentos morais, ele aceita que a estrutura da acção moral contém aspectos que se encontram no plano emocional, como o respeito pela lei (moral), a culpa e o remorso. No entanto, não aprofundaremos aqui esta ligação sui generis entre consciência moral e vida afectiva.
A consciência moral, esta “faculdade maravilhosa”, nas palavras de Kant, numa das suas Lições sobre ética da década de 80 (1780), é um instinto de emitir um juízo de acordo com leis morais e o seu juízo não é lógico, mas um julgamento a si próprio. Na sua obra tardia, A Metafísica dos Costumes, a consciência moral encontra-se claramente ligada à faculdade de julgar. Numa passagem da segunda parte dessa obra, “Doutrina da Virtude”, com o título “Acerca do dever do homem para consigo próprio, enquanto juiz inato de si mesmo”, afirma que
Todo o conceito de dever contém uma coerção objectiva da lei (como imperativo moral que restringe a nossa liberdade) e pertence ao entendimento prático, que fornece a regra; mas a imputação interna de um acto, como um caso que cai sob a alçada da lei (in meritum aut demeritum) compete à faculdade do juízo (judicium), que, como princípio subjectivo da imputação, julga com força de lei se a acção se realizou ou não como acto (como acção que se encontra sob a alçada da lei) (Kant 2005: 372; AA 06: 438).
Aquilo que é comum nas passagens das Lições da década de 80 e da obra de 1798 é a sua intrínseca relação com a faculdade de julgar e o exercício do juízo como, digamos, uma prática jurídica de imputação, qualificada como um movimento interno. Assim é muito significativo que acrescente de imediato que “depois disto, vem a conclusão da razão (a sentença), quer dizer, o enlace do efeito jurídico com a acção” (Kant 2005: 372).
A consciência moral como tribunal interior. A prática do juízo moral.
O exercício da consciência moral ocorre numa cena tipicamente jurídica e a melhor representação do processo judicativo é o processo num tribunal. A analogia é feita por Kant logo nas suas Lições de Ética:
O tribunal de justiça da nossa consciência pode convenientemente ser comparado com um tribunal de justiça ordinário. Encontramos nos nossos corações um acusador, para o qual não haveria lugar a não ser que haja também uma lei […]. Além disto, existe também um advogado, chamado amor-próprio, o qual fornece muita argumentação a nosso favor. Por fim encontramos um juiz em nós que condena ou absolve. É impossível ocultar o seu juízo. (Kant 1997: 132-133; AA 27: 354)
Nesta perspectiva, a analogia aponta para o facto de esta ser mais do que funcional (por exemplo, a que consiste em representar o coração como uma bomba de água) a partir do momento em que uma espelha a outra (o tribunal espelha a consciência moral e vice-versa) e em ambos os tribunais existem os mesmos elementos estruturais ou agentes de justiça. Kant expressa esta reflexão de ambos os tribunais nos seguintes termos: “A consciência de um tribunal interior no homem (perante o qual os seus pensamentos se acusam ou desculpam entre si) é a consciência moral” (Kant 2005: 372; AA 06: 438).
Prossigamos então com a caracterização deste exercício judicativo, ou jurídico, no sentido amplo, no âmbito da consciência moral. Neste caso, o juízo não pode ser confundido com algo que Kant refere como juízo no sentido lógico. A diferença entre os dois tipos de juízo parece assentar no facto de que, neste último, o juiz não aplica. Na mesma passagem, Kant refere que um juiz valida um juízo, não forma apenas um juízo: a diferença é que ele tem o direito de julgar valide, e atribuir efeito legal ao seu juízo. Assim o seu juízo possui a força de lei e é uma sentença. Afinal de contas, na prática do juízo em geral nunca ocorre verdadeiramente uma espécie de aplicação mecânica da regra ao caso particular, e considerar a possibilidade de um exercício judicativo como um mero movimento de aplicação é falhar na compreensão do que é subsumir o particular no geral. Já na sua Crítica da Razão Pura (1781) Kant concebe a faculdade do juízo como “um talento particular que apenas só pode ser praticado e não ensinado”, acrescentando que “ainda que uma abundância de regras possa ser fornecida pela escola a um entendimento limitado e tomadas de empréstimo a partir de um conhecimento estranho, como que gravando-as em si, é necessário que o próprio aluno detenha o poder de se servir correctamente da regra” (Kant 2008: 68; B 172). Grande parte da literatura sobre o juízo em geral na filosofia de Kant e em particular sobre o juízo moral sublinha esta ideia que não existem algoritmos do juízo e que esta deverá incluir experiência e talento, qualidades que são sempre predicados do indivíduo que julga (O’Neill 1989: 166-168) (Herman 1993: 73-93).
Se é assim que a faculdade de julgar em geral é vista, então no caso do exercício do juízo moral, a ideia é que ele não coincide com um movimento de subsunção do caso na regra moral. Por outras palavras, o processo que conduz ao juízo não corresponde àquilo a que, na sua terminologia, Kant chama “juízo determinante” (bestimmendes Urteil), precisamente aquele que é entendido como subsumindo o caso particular na regra geral.
Na segunda parte da Metafísica dos Costumes, a “Doutrina das Virtudes”, dedicada à filosofia moral, Kant repete sem muitas alterações o cenário do tribunal interno já introduzido nas suas Lições da década de 80, como um espelho reflectindo o tribunal real exterior. Ele insiste que os homens não são obrigados a adquirir deveres, na medida em que tal seria o mesmo do que dizer que temos o dever de reconhecer deveres, o que não faz sentido. A noção de dever moral é uma noção original em Kant e por isso não requer um conhecimento pelo qual conhecemos algo (uma acção, uma decisão) como dever. Esta característica de originalidade é um elemento estrutural da consciência moral que afasta o problema do erro do cenário de tribunal dessa consciência. Por outras palavras, como juízes de nós próprios não podemos refugiar-nos num erro cognitivo para nos, por assim dizer, auto-absolvermos.
E se não é possível em questões morais auto-absolvermo-nos invocando o erro, também não é plausível que se invoque o erro para, por exemplo, perseguir e condenar pessoas com outras convicções religiosas, com base num erro que estas terão cometido na sua opção religiosa. Quererá isso dizer que a sentença do juiz interior não se pode enganar no que respeita a factos? O que significa dizer que o dever pelo facto de ser original não é sujeito ao erro? Se sinto que tenho o dever de pagar uma dívida, não faz sentido dizer que erro no meu sentimento, o que não significa que em certos casos não tenha tido que apurar com cuidado se de facto devo essa quantia: por exemplo, o caso do herdeiro que é notificado para pagar uma dívida que ele desconhecia, deixada pelo transmissor da herança. Aí pode ser levantada uma dúvida acerca da existência da dívida, mas ultrapassada essa possibilidade de erro é apenas a consciência moral que se exprime sob a forma do dever ou não pagar a suposta dívida.
Exploremos mais a analogia entre consciência moral e tribunal, no sentido de definirmos com mais precisão a estrutura da consciência moral. Nos termos de Kant, uma imagem impressiva desta consiste na representação de todo e qualquer sujeito de algo que “o segue como a sua sombra quando pensa em lhe escapar” (Kant 2005: 373; AA 06: 438). Além disso na consciência moral a orientação deste juízo não é dirigido a um objecto, mas meramente ao sujeito. Neste sentido, diverge dos juízos teórico e estético, os quais se exercem sobre objectos (por exemplo, A é causa de B, ou A é belo) e esta é uma propriedade que merece reflexão que aqui não pode ser desenvolvida.
É possível ainda identificar algumas questões e preocupações fundamentais que resultam da analogia entre um tribunal interno e um tribunal externo. A prática do juízo moral parece ser essencialmente processual e não redutível ao momento da aplicação da lei como resultado de um esquema de dedução formal. No entanto a função dos agentes no tribunal interior não se reduz a um mecanismo formal, automatizado. Esse não é o modelo proposto por Kant. Tampouco se trata de um modelo contratualista, segundo o qual qualquer decisão tem por base um acordo voluntário entre partes. Aqui o que tem lugar no tribunal da consciência moral não é uma negociação contratualista, mas sim o proferimento de uma sentença final, depois de um combate entre duas posições, a do acusador e a do acusado. O processo termina com o veredicto, após a argumentação do acusador e da defesa. Uma questão agora se levanta. Assumindo que o modelo deste tribunal tem uma estrutura processual, quererá isso dizer que o juízo final padece de formalismo e a sua legitimidade não é por assim dizer substancial? A resposta é, a nosso ver, que a característica processual não implica formalismo vazio. É que as partes argumentam acerca da validade de máximas ou regras, por definição máximas ou regras subjectivas, cuja validade é atacada ou defendida. Por exemplo, a máxima segundo a qual “não devemos quebrar uma promessa” contra a máxima oposta, “por vezes é aceitável quebrar uma promessa” apresentam-se à consciência moral como duas máximas que impõem à terceira entidade, o juiz (ou homem distinto de si próprio) um veredicto final sobre a acção praticada. Imaginemos que não cumpri uma promessa. Essa circunstância será forçosamente trazida ao tribunal interior e de imediato a minha razão prática num cenário judicial, desdobra-se em personagens ou agentes diferentes. Dir-se-á que nem sempre este cenário se constitui, pois pode acontecer que o juiz exerça o seu juízo sem que apareça sequer a figura do defensor. No entanto estamos em crer que este modelo processual é inevitável, até atendendo à caracterização do juiz como “escrutinador de corações”:
Uma tal pessoa ideal (o juiz autorizado da consciência moral) tem de ser escrutinador de corações; pois que o tribunal se estabelece no interior do homem; – mas, ao mesmo tempo, tem que ser alguém que obriga sempre, quer dizer, tem que ser aquela pessoa, ou tem de pensar-.se como aquela pessoa, em relação à qual todos os deveres em geral têm que ser também considerados como mandados seus (Kant 2005: 374; AA 06: 439).
O “escrutinador de corações” encontra certamente as personagens do acusador e do defensor num contínuo conflito com os seus argumentos e justificações. Diversos exemplos deste conflito espalham-se ao longo da obra de Kant sobre filosofia moral.
Uma última palavra é devida acerca da natureza irrevogável do veredicto do juiz interior. Este é um veredicto final e permanece válido a despeito do acordo ou desacordo dos agentes. Neste plano, a sentença do tribunal interior tem a mesma natureza da sentença de um tribunal real. Também o veredicto deste deverá ser final ou deverá seguir um caminho de deliberação e decisão até à sentença final. Isto porque nenhum sistema judicial (pelo menos nos nossos sistemas jurídicos) se sustentaria se o processo não chegasse a um termo. Esta é uma característica sem dúvida racional e necessária que levanta questões importantes na filosofia do direito, sendo que uma objecção céptica consiste em levantar a questão de saber se afinal a lei é aquilo que o juiz diz que é a lei.
Para concluir nesta linha argumentativa, será interessante apontar uma outra especificidade da consciência moral por ocasião da sentença final. Enquanto no tribunal real exterior, o desacordo pode permanecer após a sentença proferida, isto é os agentes envolvidos, acusador, defensor podem continuar a considerar válidas as respectivas argumentações e justificações, no tribunal interior o veredicto final apaga qualquer dissensão, restando apenas única e absolutamente impositiva a voz do juiz. É este aspecto inelutável final que Kant transmite nos seguintes termos:
Uma vez concluída a discussão, o juiz interior, como pessoa com poder para tal, profere o veredicto de felicidade ou de miséria, como consequências morais do acto; mas, nessa qualidade, não podemos, por intermédio da nossa razão, indagar mais sobre o seu poder (como senhor do mundo), podendo nós tão-somente respeitar o seu incondicionado iubeo ou veto (Kant 2005: 374; AA 6: 439).
Bibliografia
Binmore, K. (2005), Natural Justice, Oxford University Press, Oxford.
Binnmore, K. (1994), Game Theory and Social Contract, MIT Press, Cambridge, MA.
Dennett, D. C. (1995), Darwin’s Dangerous Idea, Penguin Press, London.
Gibbard, A. (1990), Wise Choices, Apt Feelings: A Theory of Normative Judgment, Clarendon Press, Oxford.
Herman, B. (1993), The Practice of Moral Judgment, Harvard University Press, Cambridge, MA.
Kant, I. (1781), Crítica da Razão Pura, trad. Alexandre F. Morujão e Manuela Pinto dos Santos, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, (2008).
Kant, I. (1787), A Metafísica dos Costumes, trad. José Lamego, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (2005).
Kant, I. (1997), Lectures on Ethics, ed. Peter Heath e J. B. Schneewind, Cambridge University Press, Cambridge.
O’Neill, O. (1989), Construction of Reason, Cambridge University Press, Cambridge. – Searle, J. (2002), Consciousness and Language, Cambridge University Press, Cambridge.
Outros artigos
Autonomia; Ética evolutiva; Juízo moral
Como citar este artigo
Marques, A. “Consciência Moral”. Dicionário de Filosofia Moral e Política (2018), 2.ª série, coord. António Marques e André Santos Campos. Lisboa: Instituto de Filosofia da Nova, URL: <http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/consciencia-moral>.
DOI: http://doi.org/10.34619/ppzj-ka36
Publicado em: 20 de Setembro de 2018
FCSH, Universidade Nova de Lisboa
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