elite

1. Os “maquiavelianos” (e Maquiavel)

Em 1943, o politólogo americano James Burnham identificou um “grupo de maquiavelianos” (Burnham 1943) cuja composição incluía, além do próprio Maquiavel e de Dante Alighieri – este último na posição um tanto incómoda de “maquiaveliano” avant la lettre –, autores como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto, Georges Sorel e Robert Michels, todos eles politólogos e sociólogos que podiam também ser reconduzidos à grande tradição “realista” da teoria política. A fisionomia deste “realismo” assentaria, sobretudo, em duas características: a) uma abordagem assumidamente empírica e descritiva ao estudo dos fenómenos políticos, considerados tais quais são e não como deveriam ser ou como queríamos que fossem; e b) uma constante atividade de desmistificação aplicada tanto à politica em si – com as suas construções ideológicas e as suas mitologias, frequentemente usadas em função de propaganda – quanto à teoria política. O alvo, neste caso, seriam os resíduos metafísicos contidos nas “palavras mágicas” do léxico político. Palavras como “soberania”, “representação”, “estado”, “povo” frequentemente escondem, atrás de uma aparente continuidade, oscilações de significado, ambiguidades, quebras, imprecisões oriundas das suas origens mítico-metafísicas. Os seus significados devem, portanto, ser relacionados com a dimensão concreta dos fenómenos empíricos através de uma crítica desencantada da realidade política. A abordagem cética e desmistificadora é, do ponto de vista de Burnham, também anti-utópica e, portanto, anti-totalitária – não despertando ilusões, também não suscita perigosas desilusões.

Dois aspetos parecem evidentes na seleção apresentada por Burnham. Desde logo, este “realismo” parece configurar à superfície um paradigma cultural italiano. Quatro em seis autores considerados são italianos (Dante, Maquiavel, Mosca, Pareto), um quinto (Michels) é um alemão com fortes ligações (culturais e pessoais) à Itália. O tema do “realismo” da teoria política de língua italiana não será abordado aqui, embora seja merecedor de especial atenção por se tratar de uma tradição filosófica cuja influência ultrapassou claramente os limites geográficos da península. Em segundo lugar, três desses autores (Mosca, Pareto, Michels) podem ser também considerados como os grandes clássicos da chamada teoria das elites. Esta última apresenta-se, portanto, como uma subcategoria de uma tradição realista que reenvia, de acordo com a leitura de Burham, justamente à obra de Maquiavel.

O carácter mais ou menos realista da teoria política de Maquiavel tem feito correr muita tinta. Leituras mais “proféticas” d’ O Príncipe vieram a sugerir a relevância da dimensão normativa na obra maquiaveliana. Outros autores têm-se dedicado sobretudo a esclarecer a natureza e as coordenadas – inclusive políticas – do realismo de Maquiavel (Viroli 2017). O ponto de partida é – obviamente – a declaração programática contida no capítulo XV d’ O Príncipe, com que Maquiavel torna explícita a sua vontade de respeitar a verdade factual dos fenómenos políticos (“andare drieto alla verità effettuale della cosa”), recusando-se a imaginar “repúblicas e principados que nunca foram vistos nem tidos por verdadeiros”. É preciso, portanto, afastar-se, realisticamente, das ficções e da imaginação dos “muitos” que escreveram sobre a natureza do “estado” (palavra, como é sabido, que Maquiavel consagra aqui no seu significado moderno). O realismo político aceitará este programa, integrando-o com o desmascaramento dos disfarces ideológicos cuja função é justificar a prática do poder. Desmascaramento, contudo, que não deve esquecer o papel fundamental desempenhado por esses “disfarces” porque o poder precisa sempre de uma justificação ideológica para se legitimar.

A interpretação de Maquiavel como pensador elitista – aparentemente contrária a leituras mais recentes de Maquiavel como democrático radical (McCormick 2001; McCormick 2011; para uma revisão crítica, vide Balot & Trochimchuk 2012) – coincide, justamente, com este programa realista. Que a prática do poder seja sempre prática de uma minoria é justamente, para os “elitistas”, um facto, uma “verdade factual” da coisa, ou seja, dos fenómenos políticos. Mesmo que a função destas minorias possa ser interpretada como uma função de mediação, ela não deixa, contudo, de se articular como uma atividade de construção de identidades, de interesses e, em última instância, do consenso. Será suficiente, aqui, lembrar o capítulo XLIV do primeiro livro dos Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio e o seu título programático: “Una moltitudine senza capo è inútile” (Uma multidão sem chefe é inútil) (Machiavelli 1983: 160-1). O contexto da análise maquiaveliana é, neste caso, o da revolta da plebe romana causada pela tentativa de rapto da plebeia Virgínia, urdida pelo decênviro patrício Apio Claudio Craso, tentativa essa que dará origem a um processo cujo desfecho trágico será o homicídio da própria Virgínia perpetrado pelo pai para evitar que a filha caísse nas mãos do decênviro. Perante estes acontecimentos, que aos seus olhos constituíam mais uma manifestação dos abusos dos patrícios, a plebe romana, segundo relata Tito Lívio (mas a história é lendária), reunira-se em armas antes no Aventino e depois no Monte Sacro. O Senado enviara então os seus emissários para negociar, mas a autoridade do Senado era tal que ninguém ousava responder. “Tito Lívio – continua Maquiavel – diz que não faltavam argumentos, faltava alguém que respondesse”. E, finalmente, glosa o secretário florentino: “o que demonstra, evidentemente, a inutilidade duma multidão sem chefe” (Machiavelli 1983: 160).

Maquiavel elitista, então? O reconhecimento da relevância das minorias organizadas e organizadoras é demasiado óbvio para ser atribuído em particular a um autor ou a uma tradição teórica. Não deixa, contudo, de ser relevante como Maquiavel, precisamente nos Discorsi – o seu livro “republicano”, em que mais é evidenciada pelos comentadores a centralidade da “multidão” – sublinhe a “inutilidade duma multidão sem chefe”. Como frequentemente acontece nos Discorsi, o comentário de Maquiavel tem como ponto de partida uma leitura seletiva da fonte original, funcional à justificação da tese defendida. A narração do “incidente” (assim o define Maquiavel) de Virgínia (análogo e paralelo ao rapto de Lucrécia, tido pela tradição como a causa da passagem da monarquia à república) não é uma exceção. Pode não ser casual, por exemplo, a confusão de Maquiavel entre a primeira fase da revolta (em que a plebe romana toma o Aventino) e a segunda (no Monte Sacro). É na primeira fase, de facto, que o povo não consegue negociar com o Senado por faltarem chefes que mediassem entre a plebe e os patrícios, enquanto na segunda – ignorada por Maquiavel – a plebe consegue que o Senado lhe envie dois emissários por ela considerados fidedignos, enquanto o próprio Lúcio Icílio (noivo de Virgínia e antigo tribuno da plebe) assume o papel de negociador. Maquiavel transfere assim para o Monte Sacro os acontecimentos da secessão do Aventino narrados por Tito Lívio. Mas o que mais interessa a Maquiavel é, obviamente, a glosa de Tito Lívio[1] que confirma a impossibilidade de uma multidão sem chefe falar com uma voz e agir de forma coerente, isto é, de transformar uma mera reação instintiva numa autêntica intervenção política. A segunda parte da narração de Tito Lívio, em que Lúcio Icílio assume um papel de mediador entre a plebe e os emissários do Senado, vem apenas confirmar os acontecimentos narrados na primeira e representa, portanto, do ponto de vista de Maquiavel, mais uma prova – embora a contrario – da inutilidade de uma multidão sem chefe. Finalmente, ela vem confirmar também o papel crucial, aos olhos do próprio Maquiavel, da magistratura dos tribunos da plebe no sistema republicano romano: crucial justamente porque cabe aos tribunos desempenhar a função dos “chefes” encarregados de “responder” em nome da plebe, transformando assim uma tensão potencialmente desagregadora – o conflito entre plebe e patrícios – num fator de dinâmica e, portanto, de desenvolvimento da sociedade romana.

O elitismo de Maquiavel – se de elitismo se pode falar – configura-se então como um elitismo republicano, em que os “chefes” são muitos, a prazo, e podem representar soluções mutuamente alternativas perante a multiplicidade dos desafios da vida da república. Aliás, talvez seja esta, na opinião de Maquiavel, a autêntica razão da superioridade das repúblicas quando comparadas com as monarquias. É o que podemos ler no capítulo IX do terceiro livro dos Discorsi, onde Maquiavel aborda um dos seus tópicos preferidos: a influência da fortuna e as maneiras de lidar com ela. As repúblicas, diz Maquiavel, têm uma vida mais longa porque se adaptam melhor aos revezes da sorte. Esta maior flexibilidade, por assim dizer, das repúblicas depende justamente do facto de elas não serem governadas, como as monarquias, por um único indivíduo que, por muito virtuoso que seja, ficará sempre dependente dos seus hábitos (inclusive mentais), das suas visões do mundo, dos seus preconceitos. As repúblicas são, pelo contrário, governadas por muitos magistrados que, aliás, se alternam periodicamente, sendo as funções de governo eletivas (ou por sorteio) e portanto temporâneas (e quanto mais temporâneas, melhor). Assim, é mais fácil encontrar alguém que tenha a capacidade de encarar uma determinada situação, podendo depois ser substituído quando se alterarem as circunstâncias. As repúblicas, noutras palavras, não dependem de um autocrata e da sua camarilha, o primeiro limitado pela sua visão pessoal da realidade, quando não pela sua preguiça mental, a segunda limitada pela sua necessidade vital de não contrariar excessivamente o autocrata (Machiavelli 1983: 408-11)[2].

Estas duas observações de Maquiavel parecem, com efeito, antecipar dois temas clássicos do elitismo dos séculos XIX e XX: a) a ideia de que as multidões ou as massas são incapazes de ação consciente e precisam de ser guiadas, organizadas por líderes e minorias que deem às massas uma fisionomia e uma voz; b) o elemento de diferenciação entre regimes autocráticos e democráticos colocado não na ausência de líderes e de elites, mas sim na sua pluralidade. Adiante veremos melhor estes dois temas. Antes de introduzirmos os autores que podemos chamar de “elitistas clássicos”, temos de considerar o contexto que deu origem à tradição elitista contemporânea.

2. Os elitistas e a era das massas

O elitismo contemporâneo surge com a sociedade das massas. A literatura sobre o papel das elites, das “classes dirigentes” ou “de governo” desenvolve-se em paralelo com a literatura sobre as “massas”, as “multidões”. A sociedade industrial cria, nos maiores países europeus, novas condições sociais. As multidões concentram-se nas cidades, a massa operária necessária à produção industrial transforma-se numa nova classe social prestes a desempenhar um papel politicamente fundamental. As massas parecem empurrar o desenvolvimento social, dar origem a uma nova era politicamente caracterizada pelo triunfo da democracia e pelo alargamento do sufrágio. Ganhos e custos neste processo de democratização da sociedade – que frequentemente têm fisionomias revolucionárias – são calculados por muitos autores que hoje consideramos clássicos da filosofia política. Tocqueville, analisando a realidade daquela que pode ser considerada a primeira democracia de massas contemporânea (os Estados Unidos da era de Jackson), evidencia a força irreprimível do princípio igualitário, capaz de desencadear processos de transformação da sociedade que, na senda das duas grandes revoluções burguesas do século XVIII, parecem fechar definitivamente a era aristocrática do ancien régime. Mas este processo de transformação traduz-se também no advento de uma sociedade marcada pelo conformismo e, em última análise, pela apatia política, numa sociedade de indivíduos (e não mais de comunidades) que privilegiam os interesses privados sobre os interesses públicos.

O tema do conformismo tornar-se-á num topos da literatura oitocentista sobre o papel das massas. A este se vão acrescentando os temores perante o protagonismo histórico e social das multidões irracionais, emotivas e, frequentemente, violentas e até criminosas. A partir da segunda metade do século, e sobretudo nas últimas décadas, difunde-se uma nova disciplina no cruzamento de outras ciências igualmente jovens como a sociologia, a psicologia, a criminologia. Trata-se da “psicologia das multidões”. O texto fundamental é o de Gustave Le Bon, publicado em 1895 (Le Bon 1895) e amplamente citado e discutido, por exemplo, por Freud, Kelsen (via Freud), Pareto e Schumpeter. Mas antes ainda da publicação do livro de Le Bon, haviam já aparecido dois textos que analisavam as dinâmicas das multidões: As leis fundamentais da imitação, do criminologista francês Gabriel Tarde, publicado em 1890 (Tarde 1890), e A multidão criminosa,  do criminologista e sociólogo italiano Scipio Sighele, publicado em 1891. Le Bon, Tarde e Sighele são apenas a ponta do icebergue: nas últimas décadas do século XIX e na primeira do século XX, vários textos sobre as massas e as suas características são publicados por alienistas e psicólogos, criminólogos e sociólogos, antropólogos[3], dando origem a uma autêntica tradição literária que atravessa o século XX e abrange o período entre as duas guerras mundiais e o segundo pós-guerra, com autores como Ortega y Gasset[4] e Elias Canetti[5].

Para estes autores, as massas são fundamentalmente irracionais, movidas por instintos primários que reconduzem o ser humano a uma espécie de estado originário pré-civilizado, em que vão desaparecendo todos os elementos de diferenciação (a racionalidade, em primeiro lugar) entre o ser humano e os outros animais (atavismo). Na massa, o nível do desempenho racional decai de forma dramática, e com ele desaparecem a consciência e o sentido de responsabilidade individuais. A massa, por exemplo, pode ser criminosa em si e por si, ou seja, sem que isso implique uma responsabilidade individual pelos crimes por ela perpetrados e, sobretudo, sem que os seus membros sejam criminosos habituais. Este é um dos aspetos que reenviam à característica típica da multidão: a de ser um sujeito individual com vida própria. A multidão não é um conjunto de indivíduos, é um indivíduo coletivo, com um rosto, uma voz e uma direção única. Mas os processos que dão origem a este indivíduo coletivo são inconscientes, não o resultado de um planeamento estratégico. De acordo com esses autores, as multidões surgem por meio de mecanismos irreflexos baseados em dinâmicas de contágio e de imitação. A analogia mais frequente é a da hipnose, numa época em que o público enchia as salas da Pitié Salpêtrière de Paris para assistir às sessões de hipnotização de Charcot. Como hipnotizados, os indivíduos perdem, na massa, vontade individual e atuam num estado de quase transe. Mas se de hipnose se trata, então para que a analogia faça sentido é preciso que haja um hipnotizador.

Le Bon dedica um capítulo do seu livro aos “chefes e aos seus meios de persuasão”: a afirmação, a repetição, o contágio e a força do prestígio. Mas o tema do prestígio e da força de persuasão dos líderes já tinha sido abordado por Tarde, fazendo referência à teoria do “grande homem”.[6] Nas páginas destes autores ouve-se um eco de um elitismo em sentido próprio, ou seja, genuinamente aristocrático e animado por uma fundamental desconfiança (quando não um autêntico desprezo) em relação às massas. Conjugando realismo político e positivismo cientista, muitos dos autores citados ostentam uma abordagem supostamente objetiva: não identificam necessariamente a capacidade de liderança de um demagogo com uma superioridade moral, e frequentemente tentam prescindir de juízos de valores explícitos. Eles partilham, contudo, o clima intelectual da época: pense-se, por exemplo, em algumas interpretações do pensamento de Nietzsche (a partir, em particular, do parágrafo da oitava parte do primeiro livro de Humano, Demasiado Humano intitulado “O grande homem da massa”) ou na ideia (que encontrará definitiva sistematização no Ocaso do Ocidente, de Spengler) de uma fundamental decadência da civilização europeia, frequentemente associada, justamente, com o domínio da massa e a era da mediocridade. Será então fácil identificar no elitismo destes autores não só a descrição de um fenómeno político (o do governo das minorias sobre as maiorias), mas também os traços de uma “retórica da reação” (Hirschman 1991).

Deste ponto de vista, as massas não são tanto espectadores passivos, quanto um instrumento nas mãos dos líderes. Não é difícil antever, atrás desta interpretação da história e da sociedade, uma fundamental inquietação perante o desenvolvimento social da era industrial, com as suas dinâmicas de massificação, homologação, uniformização, ao qual corresponde, no âmbito político, a afirmação da democracia política e social.[7] Na medida em que a democracia se vai transformando em “governo das massas”, para estes autores ela é também um governo dos medíocres (e não dos “melhores”: os aristocratas), fundamentalmente emotivo e irracional, dominado pelos mecanismos da imitação, do contágio, da “hipnose”. Perante esta realidade, a democracia de massas não pode ser senão o governo dos demagogos, pois os demagogos guiam as massas pela força das emoções. O demagogo é o indivíduo excecional dotado da compreensão de que não é possível guiar as massas de forma racional porque os limitados desempenhos intelectuais e cognitivos das massas (de qualquer massa: também os intelectuais, quando agem em massa, reduzem dramaticamente o potencial de racionalização) não o permitem. É preciso então utilizar a mensagem das emoções, suscitar paixões primárias que desencadeiam fenómenos de contágio. Assim, a “psicologia da massa” faz das democracias modernas um contexto ideal para os demagogos (Nacci 2019: 55).

As massas são, então, irracionais, hipnotizáveis, dominadas por paixões, sentimentos e emoções, mais próximas da natureza primitiva do ser humano ou até da animalidade pré-humana, sujeitas a fenómenos de imitação, contágio, sugestão, moralmente e racionalmente degeneradas (Nacci 2019: 39-40). Perante esta situação, qualquer ação supostamente coletiva – que se eleve acima de um nível meramente instintivo – terá necessariamente de ser dirigida e até construída por um líder ou uma elite organizada. A psicologia das multidões – com toda a sua desconfiança para com as democracias contemporâneas e o sufrágio universal – desenvolve-se então com os primórdios da teoria contemporânea das elites. Uma é um reflexo da outra.

3. A tríade dos elitistas “clássicos”: Mosca, Pareto, Michels

Apesar do uso frequente de rótulos como “teoria das elites” ou, quanto aos autores, “elitistas”, dificilmente se poderá dizer que se trata de uma “escola”. É, contudo, possível encontrar um mínimo denominador comum entre estes autores na – relativamente óbvia – observação de que cada grupo, cada coletivo humano precisa, para ser organizado, de uma minoria de “organizadores”. Ou, dito de outra forma, cada coletivo é dividido fundamentalmente em duas partes: uma maioria organizada e uma minoria organizadora. A razão é, também, óbvia: apenas um número relativamente pequeno de pessoas consegue alcançar um nível de organização interna suficiente que lhe permita organizar ou dirigir um grande número de indivíduos. Pode, portanto, variar o nível de eficiência de uma minoria organizadora ou, consequentemente, o nível de relativa organização interna da maioria, mas esta última nunca terá a capacidade de se organizar autonomamente. Até os fenómenos sociais que são apresentados como fruto da mobilização espontânea das “massas” ou do “povo”, como as revoluções, são, de facto, fruto de atos de organização e de liderança exercidos por uma minoria de indivíduos. A partir desta observação inicial, autores diferentes desenvolveram, como veremos, teorias diferentes, em particular no que diz respeito às ligações e à (eventual) capacidade de influência recíproca entre “elite” e “massa”, às ambições descritivas mais ou menos abrangentes, à identificação (ou à não identificação) de determinadas leis fundamentais das dinâmicas que dizem respeito à consolidação e à sobrevivência das elites.

Consoante já afirmamos, pode-se considerar a teoria das elites como uma abordagem realista ao estudo dos fenómenos políticos. Todos os autores que podem ser reconduzidos a estra tradição partilham a ideia segundo a qual os fenómenos políticos devem ser compreendidos a partir da sua característica essencial: o poder. Para fazer isto, é preciso “ir além da cortina dos princípios ideais” e dos programas ideológicos utilizados por todos os regimes e movimentos políticos para justificar e legitimar a sua existência e as suas ações e tornar evidentes as formas e as dinâmicas do poder ou do domínio. É preciso, então, “perceber a natureza das relações entre os indivíduos considerados como membros de grupos sociais, para além da face exterior das instituições oficiais e das constituições dos estados”. A realidade mostrada por este dúplice processo de desmistificação e desmascaramento aparece então como “uma trama de egoísmos, paixões e interesses pessoais, logros e enganos, que não só são inevitáveis como são necessários para governar a sociedade” (Bovero 1975: 11).

Do ponto de vista da “quantidade” dos sujeitos envolvidos na gestão “real” do poder, um dado de facto – de acordo com esses autores – é a constatação da distância entre uma elite de governo e as “massas” ou as “multidões” governadas. O poder, noutras palavras, é sempre “conquistado pelas elites por meio da força e da astúcia, e imposto às massas e perpetuado com os mesmos meios”. Também em contextos democráticos eletivos, “a minoria dominadora mantém a possibilidade e detém os instrumentos necessários para orientar o processo eleitoral” e exautorar os eleitores de qualquer forma de soberania (Bovero 1975: 10). Em poucas palavras: a distância entre elites e massas – uma vez estabelecida com a conquista do poder – não pode ser colmatada. Por um lado, as elites são suficientemente organizadas para manter o poder, por outro lado, as maiorias não conseguem alcançar o nível de organização necessário para reverter esta situação. Sendo assim, a minoria “dirigente” ou “de governo” exerce o poder fora do controle da maioria governada. E isto acontece em qualquer tipo de regime político, inclusive no modelo democrático ou liberal-democrático. O poder articula-se em relações de desigualdade e de subordinação hierárquica (Bovero 1975: 11).

A teoria das elites é inicialmente desenvolvida por três autores que podem, hoje, ser considerados os “clássicos” do elitismo político contemporâneo: os italianos Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923) e o alemão (mas com profundas relações académicas e familiares em Itália) Robert Michels (1876-1936). O primeiro, constitucionalista e professor nas universidades de Roma e Turim, publicara em 1896 os Elementi di scienza politica (“Elementos de ciência política”), texto ampliado numa segunda edição de 1923. Pareto, um engenheiro de formação e mais tarde professor de economia e sociologia na universidade de Lausanne, na Suíça, é autor de um Trattato di sociologia generale (“Tratado de sociologia geral”) publicado em 1916. Michels, finalmente, é autor do fundamental Zur Soziologie des Parteiwesens in der modernen Demokratie (“A sociologia do partido político na democracia moderna”), publicado em 1911 e, em segunda edição, em 1925. É suficiente atentar nos títulos para perceber as diferenças de interesses entre estes autores. Enquanto Mosca está interessado no estudo do fenómeno da classe política, Pareto inclui a análise das elites numa teoria “geral” de cunho psico-sociológico, e Michels, finalmente, estuda as minorias organizadoras no contexto do partido político moderno. O que eles têm em comum é a ideia de que em qualquer tipo de sociedade, de grupo social, de coletivo, a possibilidade de tomar as decisões relevantes sobre os destinos comuns encontra-se nas mãos de uma pequena minoria, organizada com vista a esta finalidade. Estes autores, portanto, acentuam a distância entre elite e massa, entre elite e multidão. Eles negam que se possa reconhecer a existência de uma qualquer forma de vontade autónoma da massa e menos ainda de vontade soberana.

a) Vilfredo Pareto

Vilfredo Pareto nasceu em Paris no dia 15 de julho de 1848, terceiro filho (depois das irmãs Aurelia e Cristina) de Raffaele, um engenheiro genovês de família aristocrata exilado pelas suas ideias republicanas, e da francesa Marie Métenier, por sua vez filha de um produtor de vinhos. Em 1854, a família Pareto reentrara em Génova, para pouco depois mudar-se novamente para Casale Monferrato e finalmente para Turim, onde, em 1869, Vilfredo se veio a licenciar em engenharia. A partir do ano seguinte, e por vinte anos, Pareto exercerá a profissão de engenheiro mecânico e metalúrgico em Florença, aproximando-se dos círculos liberais e tentando também a carreira política, embora sem grande sucesso. A partir dos anos Noventa, a amizade com o economista italiano Maffeo Pantaleoni aproxima-o de Léon Walras, então professor de economia política na Universidade de Lausanne. Será o próprio Walras a convidar Pareto como seu sucessor, a partir de 1893. Em Lausanne, Pareto será professor de economia e de sociologia e, sobretudo, dedicar-se-á, a partir de 1898, à sistematização e publicação da sua obra científica, que inclui um Curso de economia política (1897) e um Manual de economia política (1906), textos fundamentais da economia neoclássica. Politicamente crítico do socialismo (cuja análise empreende em Os sistemas socialistas, publicado em 1903) e desiludido pelo recuo das posições liberais, nos últimos anos da sua vida Pareto aproxima-se do fascismo. Morre em Celingy, perto de Lausanne, em 1923. O seu Tratado de Sociologia Geral é publicado, em italiano, em 1916.

A teoria das elites de Pareto desenvolve-se no contexto de uma investigação sobre o comportamento humano em geral, cujo objetivo é o de individuar as motivações mais profundas das ações humanas.[8] Estas ações são divididas por Pareto em “lógicas” e “não lógicas”, consoante a existência, ou não, de uma relação objetiva entre meios e fins. As ações não lógicas não são, portanto, ações “ilógicas” propriamente ditas. Elas são, poder-se-ia dizer, lógicas apenas do ponto de vista subjetivo. Para explicar a relação entre estas duas categorias de ações, Pareto usa o exemplo dos marinheiros gregos que realizavam sacrifícios em honra de Posídon para garantir uma viagem segura. Do ponto de vista dos conhecimentos “externos”, nós não podemos considerar “lógica” esta ação (falta uma relação direta entre meios e fins), contudo ela não é ilógica do ponto de vista “interno” e em particular do sujeito que a executa. Sendo assim, quase todas as ações humanas fazem parte, do ponto de vista subjetivo, da classe das ações lógicas (Pareto 1916: §§ 150, 161, 162; v. ainda Braga da Cruz 2013: 425-7). Cabe ao observador externo, ao sociólogo, diferenciar entre as ações que são também objetivamente lógicas e as que são lógicas apenas subjetivamente. A relevância analítica do ponto de vista subjetivo é um dos temas fundamentais da reflexão de Pareto (um outro, como é sabido e como veremos, é o de “equilíbrio”, que Pareto partilha com Walras).[9] Sobretudo, a distinção entre ações lógicas e não lógicas permite a Pareto considerar o papel fundamental das motivações não perfeitamente racionais ou francamente irracionais nos comportamentos humanos. Para identificar a base irracional destas motivações, Pareto utiliza a categoria de “resíduo” (Pareto 1916: §§ 870, 875, 1397; Braga da Cruz 2013: 433-8).

A influência fundamental destes “resíduos” não é evidente porque eles são sucessivamente encobertos por uma racionalização – ou, melhor, pseudo-racionalização – ex post cuja função é a de os justificarem aos olhos, em primeiro lugar, do próprio indivíduo e, depois, dos outros. Estas “teorias” e “ideologias” fruto de pseudo-racionalização e com função substancialmente justificatória são chamadas, por Pareto, “derivações”. As pseudo-racionalizações ex post, portanto, “derivam” dos “resíduos”, e estes últimos são justamente “resíduos” porque representam o que, em certo sentido, “sobra” quando, por meio de uma análise de cunho psicossociológico, tiramos o nível superficial das justificações. Esta dialética resíduos-derivações é finalmente explicada por Pareto fazendo referência a uma tendência natural do ser humano em racionalizar (ou a cobrir com um “verniz” de racionalidade aparente) os motivos fundamentalmente irracionais das suas ações (Pareto 1916: §§ 798, 802; Braga da Cruz 2013: 429-432).

Desenvolvendo a sua análise, devedora, deste ponto de vista, de uma sociologia ainda de cunho positivista, Pareto classifica minuciosamente os resíduos e as derivações. E é justamente a distribuição dos resíduos que explica o carácter inevitavelmente heterogéneo de qualquer grupo social, juntamente com a igualmente desigual distribuição das capacidades e dos talentos dos recursos individuais. Também por esta razão, qualquer grupo humano aparece como necessariamente dividido em duas grandes classes: a classe “eleita”, ou elite, e a classe “não eleita”. Esta primeira diferenciação constitui um primeiro passo na direção da construção de uma exaustiva explicação das mecânicas sociais. O segundo passo consiste em observar como esta diferenciação, e a correspondente diferenciação interna entre tipos diferentes de “classes” (e, portanto, entre tipos diferentes de elites), decorre justamente da distribuição desigual dos “resíduos” e, em particular, dos “resíduos de classe I”, chamados por Pareto de “instinto das combinações”, os quais dizem respeito às qualidades da inventiva, da fantasia, da astúcia, em outras palavras à propensão para a mudança, e dos “resíduos de classe II”, ou “persistência dos agregados”, que reúnem as tendências opostas aos resíduos de classe um: estabilidade, ordem, estabilização das posições alcançadas, etc. Em qualquer “sistema” social, o modelo político-institucional depende da prevalência de uma ou de outra classe de resíduos entre os membros da elite de governo.

É importante realçar um aspeto do elitismo de Pareto. Para ele, às divisões entre indivíduos “inovadores” e “conservadores”, e entre indivíduos com uma capacidade de liderança e indivíduos que não tem esta capacidade, sobrepõe-se a divisão entre “elite” e “não-elite” de governo. Isto é: há como que uma elite da não-elite, constituída por indivíduos com qualidades individuais superiores presentes em qualquer grupo humano (os advogados, os ladrões, as prostitutas, etc.). Por outro lado, a força de inércia, a sucessão hereditária, o encerramento da elite de governo faz com que também no seu seio haja indivíduos que não têm as qualidades que justifiquem a sua pertença a esta classe. Estas situações e as suas dinâmicas podem ser explicadas por meio daquelas que Pareto chama as “leis da circulação das elites”. A história, diz Pareto, é um “cemitério das aristocracias”. Qualquer elite, qualquer classe de governo (que pode ser constituída por políticos, protagonistas da vida económica e industrial de um país, intelectuais, etc.) passa necessariamente, mais cedo ou mais tarde, por uma fase de decadência. Para proteger uma situação de privilégio ou, mais simplesmente, uma posição hierarquicamente superior no âmbito de um dado sistema social, a elite acaba por se cristalizar, por impedir ou dificultar a renovação dos seus membros – que pode acontecer, por exemplo, por meio de cooptação dos melhores elementos externos. A este processo corresponde um aumento de práticas autorreferenciais e uma geral diminuição das qualidades dos membros da elite de governo, que leva a um correspondente aumento das tensões sociais entre elite e não elite e, em particular, a um aumento da pressão dos elementos mais dinâmicos da não elite. Na ausência de soluções institucionais, uma situação deste tipo pode levar a um êxito de tipo revolucionário. Mas este processo nunca poderá ser descrito como uma substituição do governo de uma oligarquia pelo governo do povo. Mesmo quando justificada e apresentada nesses termos, uma revolução, diz Pareto, não passa da substituição de uma oligarquia por outra oligarquia. Quem guia os processos revolucionários são justamente os membros das elites da “não elite”, que pretendem assumir o papel social que creem ser-lhes devido e que não conseguem alcançar por meio de soluções institucionais. Então, a força da multidão revolucionária será sempre dirigida por uma oligarquia nascente cujo objetivo é fundamentalmente substituir a velha e decadente oligarquia na função de governo da sociedade.

Este processo de decadência das velhas oligarquias e do surgimento de novas é inevitável, mas pode ter fisionomias diferentes consoante o quadro institucional que corresponde a uma dada sociedade, e também pode acontecer com uma velocidade diferente. As oligarquias têm, de facto, uma capacidade de autorrenovação própria de soluções institucionais que permitem a seleção e a cooptação de elementos externos. Nestes casos, a renovação pode ser um processo gradual, gerido pela própria elite. Embora processos de cristalização, de esclerotização e, portanto, de decadência sejam inevitáveis, podem ser mais graduais e institucionalizados. O que as elites podem fazer é procurar uma situação de equilíbrio entre conservação e renovação. Tratar-se-á sempre de um equilíbrio precário, temporâneo, periclitante, mas é o único equilíbrio possível: uma elite que não limita o acesso de indivíduos externos não tem a necessária estabilidade, uma elite que se fecha totalmente aos elementos externos não tem a necessária capacidade de renovação (Pareto 1916: §§ 2025, 2027, 2031-32, 2034; Braga da Cruz 2013: 449-457).

b) Gaetano Mosca

Nascido em Palermo em 1858, Gaetano Mosca, ao contrário de Pareto, teve um curriculum coerente no seio da academia e da universidade italiana. Docente de direito constitucional e de história das doutrinas políticas nas universidades de Palermo, Roma e Turim, foi autor de dois textos fundamentais da teoria política: Sulla teorica del governo parlamentare (“Teoria do governo parlamentar”), publicado em 1884, e Elementi di scienza politica (“Elementos de ciência política”) (Mosca 1953: 7-8, 11, 47-49, 61, 63-69, 71, 78-80, 82-84, 88-89, 91-96, 100-106, 108; v. também Braga da Cruz 2013: 405-419), publicado em 1896 e, numa nova edição acrescentada de uma segunda parte, em 1923. Diferencia-o de Pareto ainda uma carreira política ativa e importante, quer como funcionário da Câmara dos Deputados e assessor do Primeiro Ministro (entre os anos 80 e 90), quer como deputado (entre 1909 e 1919), secretário de estado (1914-16) e finalmente senador do Reino (desde 1919). Tal como Pareto, Mosca encarou com alguma simpatia a tomada de poder de Mussolini. Contudo, ao contrário de Pareto, chegará a viver o processo de instauração do regime fascista, ao qual opõe uma tardia defesa do regime parlamentar. Em 1926, abandona a política ativa e dedica-se apenas à investigação.

Mosca chegou a ter uma “pequena polémica” com Pareto, acusando-o de não haver reconhecido explicitamente a dívida que este tinha para com a sua teoria da “classe de governo”. Contudo, nunca teve um genuíno interesse na construção de grandes teorias sociológicas que tudo abrangem, limitando-se a uma análise das “técnicas” do governo e da política. O que interessava a Mosca eram as condições que permitem a uma “classe política” manter o controlo efetivo sobre um grupo ou sobre a sociedade no seu conjunto. Importa ainda salientar outra diferença fundamental entre Mosca e Pareto, desta vez de cunho terminológico (mas indício de uma subjacente diferença teórica): Mosca prefere falar, em geral, em “classe dirigente” e “classe política” ou em “classe de governo”, criticando o uso feito por Pareto da palavra “elite”. Do ponto de vista de Mosca, este termo introduz no discurso uma ambiguidade fundamentalmente ligada ao juízo de valor (positivo) que lhe é normalmente associado. Pelo contrário, expressões como “classe dirigente”, “classe política”, “classe de governo” têm um significado meramente técnico e, portanto, um maior potencial descritivo.

A análise de Mosca parte portanto da observação de que “em todas as sociedades […] existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados”, e a segunda e mais numerosa é “dirigida e governada” pela primeira e menos numerosa, “de um modo mais ou menos legal, ou mais ou menos arbitrário e violento”. A observação do papel crucial da classe dos governantes é por vezes ofuscada por uma espécie de estrabismo, isto é, pela tendência que todos temos a atribuir excessiva importância a dois fenómenos mais evidentes, mas também mais superficiais. O primeiro é o papel dos chefes, dos líderes, o segundo é a influência que “a pressão proveniente do descontentamento da massa dos governados, as paixões com que é agitada podem exercer” sobre a classe dirigente. Ora, se é verdade que estes dois fenómenos existem, é ainda mais verdade que nenhum líder “poderia certamente governar sem o apoio de uma classe dirigente” e, por outro lado, que também o descontentamento e as paixões da massa, para exercer alguma influência, precisam de uma outra minoria organizada, presente, neste caso, “no seio das próprias massas”. A observação empírica demonstra, portanto, o papel transversal e fundamental das elites, que opera também atrás de fenómenos aparentemente opostos como uma autocracia ou uma revolução. Mas a importância do estudo das elites, diz Mosca, não se limita à simples observação da importância crucial das elites que apoiam um autocrata ou das elites que dirigem uma massa revolucionária. A importância do estudo das classes governantes demonstra-se também pelo facto de elas determinarem o “tipo político e o grau de civilização dos diversos povos”. Às diferentes arquiteturas institucionais (e aos diferentes graus de civilização) correspondem, noutras palavras, a “variada constituição” das classes dirigentes.

Para Mosca, o ponto central é a capacidade que qualquer minoria tem de se auto-organizar. Em qualquer contexto social, e portanto também em âmbito político, a minoria “está organizada precisamente porque é minoria”. Ela tem, na sua possibilidade de se organizar e de manter um nível elevado de organização, uma como que “vantagem competitiva” sobre qualquer maioria. A minoria representa, portanto, uma espécie de “bloco” social unido, perante o qual a maioria dispersa e desorganizada dos outros indivíduos é impotente. Decorre desta premissa uma consequência particularmente relevante em âmbito político: “quanto maior é uma comunidade política, tanto menor pode ser a proporção da minoria governante em relação à minoria governada e tanto mais difícil consegue esta organizar-se para reagir contra aquela”. Quanto “maior” for a “maioria”, tanto mais difícil será, para ela, alcançar um nível suficiente de organização que lhe permita transformar uma pura e simples pressão externa numa ação coerente e eficaz. A não ser, obviamente, que não acabe por ser organizada e guiada por uma minoria “de oposição” alternativa à minoria “de governo”. Este é, porém, um resultado que apenas confirma a teoria de Mosca. O modelo de Mosca é portanto explicitamente oligárquico e aponta para uma característica fundamental da organização política: interessa-lhe sobretudo esclarecer o fenómeno da organização política como condição essencial da gestão do poder.

A uma classe governante – ou classe política, em sentido mais específico – deverão corresponder, em princípio, algumas “qualidades” que justifiquem a conquista e a preservação de uma posição de domínio. Estas qualidades podem ser tanto morais como intelectuais ou materiais. Mas não é necessário que qualquer classe de governo concretamente possua estas qualidades em todos os momentos. Uma dada classe política pode, por exemplo, ser simplesmente herdeira “dos que tinham estas qualidades” e não é necessário que estes requisitos sejam verdadeiros, sendo suficiente que sejam “aparentes”. Assim, por exemplo, num governo aristocrático hereditário, alguns elementos da classe dominante podem continuar no poder apesar de não terem a superioridade, intelectual ou material, que tinham os seus antepassados que conquistaram o poder. Contudo, quando estes requisitos deixam de ser “verdadeiros”, é necessário que continuem a ser “aparentes”. Se assim não fosse, seria muito difícil para a classe dominante defender a sua posição perante as pressões externas não só das massas, mas sobretudo das novas minorias que surgem no seio das massas. Fenómenos deste tipo causam, assim, mudanças na distribuição e na forma da classe política. “Se numa sociedade se forma uma nova forma de riqueza”, continua Mosca, “se cresce a importância prática do saber, se a antiga religião decai ou uma nova nasce, se uma nova corrente de ideias se difunde, ocorrem contemporaneamente fortes deslocações na classe dirigente”. Assim, pode-se dizer que “toda a história da humanidade civilizada se resume na luta entre a tendência que têm os elementos dominadores para monopolizar estavelmente as forças políticas e para transmitir hereditariamente a sua posse aos filhos, e a tendência para a deslocação destas forças e a afirmação de novas forças”.

Estabelecida a premissa oligárquica do seu discurso, Mosca individua duas duplas de “tipos ideais”. A primeira diz respeito às modalidades de transmissão da autoridade, a segunda às formas de recrutamento dos membros da elite. As primeiras são reconduzidas por Mosca a dois “princípios” (o princípio autocrático e o princípio liberal), as segundas a duas “tendências” (tendência aristocrática e tendência democrática). Estas duas duplas combinam-se em quatro modalidades distintas. É perfeitamente possível, portanto, que o princípio autocrático se apresente, num determinado regime político-institucional, em combinação com a tendência democrática. Isto é: não há nenhuma relação necessária entre princípio liberal e tendência democrática, por um lado, e entre princípio autocrático e tendência aristocrática, por outro. Um bom exemplo é a historia da Igreja Católica em que é possível encontrar, de forma mais ou menos marcada, consoante as épocas, uma combinação de princípio autocrático (a autoridade é sempre fruto de uma “investidura” feita pelos membros do nível hierárquico imediatamente superior – os padres são investidos pelos bispos, um bispo torna-se bispo quando é consagrado por outros bispos, os cardeais são consagrados pelo papa) e de tendência democrática (os membros da classe dirigente – bispos, arcebispos, cardeais – não pertencem necessariamente a uma única classe social e podem provir da classe dos “governados”).

O que é crucial, em Mosca, é que a organização é sempre um processo interno à minoria dirigente. Um aspeto, este, que tem consequências para a descrição dos diferentes regimes políticos, para a qual é crucial identificar as dinâmicas internas à minoria governante. E esta relevância não se limita à individuação da classe dirigente propriamente dita, mas de todos os grupos sociais que, numa dada sociedade, conseguem exercer funções de governo, mesmo que setoriais. De facto, Mosca nota como “debaixo do nível mais elevado da classe dirigente há sempre, também nos sistemas autocráticos, outro nível muito mais numeroso que inclui todas as funções de liderança num dado país. Sem esta classe qualquer tipo de organização social seria impossível. O nível mais elevado não seria suficiente, por si só, para liderar e dirigir as atividades das massas. Em última análise, portanto, a estabilidade de qualquer organismo político depende no nível de moralidade, de inteligência e de atividade que este segundo nível conseguiu alcançar. E esta estabilidade é maior na medida em que um senso de interesse coletivo da nação ou da classe consegue exercer uma pressão sobre as ambições individuais ou a ganância dos membros desta classe”. As relações entre maiorias governadas e os diferentes níveis das minorias governantes variam, também, com o variar da sociedade. Deste ponto de vista, Mosca e Pareto concordam: “as sociedades humanas, prevalece agora a tendência a produzir classes dirigentes fechadas, estáticas, cristalizadas, agora a tendência que decorre da uma mais ou menos rápida renovação da classe dirigente”.

Finalmente, qualquer classe tende a justificar o seu real exercício do poder com base num princípio moral universal. Em sociedades suficientemente populosas que tenham alcançado um determinado nível de civilização, as classes dirigentes não justificam o seu poder apenas pela sua posse de facto, mas tentam encontrar uma base jurídica e moral desta posse, representando-a como a consequência lógica e necessária de doutrinas e crenças geralmente reconhecidas e aceitadas. As democracias contemporâneas não representam uma exceção: a “vontade popular”, o “sufrágio universal”, o “bem comum” nada são senão exemplos de fórmulas que permitem a uma minoria de governo justificar, moralmente e juridicamente, a sua posição de poder.

A posição de Mosca, porém, variou ao longos dos anos, passando de uma aberta desconfiança, de um ponto de vista conservador, em relação ao governo democrático – considerado por ele como nada mais nada menos do que um disfarce ideológico de uma relação de domínio – a uma posição mais articulada e mais próxima de uma posição classicamente liberal. Deste ponto de vista, permanece em Mosca uma fundamental desconfiança em relação a qualquer modelo de “democracia direta”[10], tanto do ponto de vista (normativo) da sua desejabilidade, quanto do ponto de vista (descritivo) da sua possibilidade factual. Assim, apesar das suas claras posições políticas, Mosca pretende manter um olhar “maquiaveliano”, recusando-se a associar, em sede teórica, qualquer juízo de valor a uma determinada forma de governo. O teórico não é, diz Mosca, um “filantropo”: não lhe interessa defender uma ou outra solução institucional.[11]

c) Robert Michels

Militante ativo do partido social-democrata alemão e do movimento sindical, também Michels, como Mosca e Pareto, se dedicou à atividade política. Com efeito, a adesão ao socialismo travou as suas possibilidades de carreira nas universidades alemãs. Estabelece-se, assim, em Itália, inicialmente na Universidade de Turim (1907), para depois ensinar na Universidade de Basileia, na Suíça, e finalmente na Universidade de Perugia, onde é nomeado professor em 1928. A partir dos anos 20, Michels aproxima-se do fascismo, ao qual adere na convicção de que Mussolini, enquanto “chefe carismático” oriundo do socialismo italiano, possa transformar-se num representante direto do proletariado, eliminando a mediação oligárquica dos grandes partidos burocráticos. O seu texto fundamental, em particular no que diz respeito à “teoria das elites”, é Sociologia dos partidos políticos, publicado em 1910. Morreu em 1936.

O foco da análise teórica de Michels não é tanto a estrutura da sociedade no seu complexo, como em Pareto, ou dos regimes políticos, como em Mosca, mas sim os grandes partidos de massa, cujo modelo foi, para ele, o Partido Social Democrata alemão (SPD), visto como exemplo do partido socialista de massa representante (e organizador) da classe trabalhadora num contexto parlamentar multipartidário (Michels 1925; v. Braga da Cruz 2013: 479-505). O olhar de Michels – tem sido notado – é o de um desiludido. Desiludido, em particular, no que toca à natureza revolucionária e, portanto, radicalmente democrática dos partidos da classe operária. Seguindo Pareto e Mosca, ele considera o domínio das elites como um fenómeno não patológico, mas sim fisiológico da vida dos partidos. Contudo, a sua análise deixa transparecer um juízo de valor negativo sobre o potencial conservador do processo oligárquico. Ele próprio membro da SPD, afastara-se da política ativa quando percebera que às promessas de democratização e poder popular não podem corresponder – por razões inerentes à organização interna dos partidos – práticas igualmente democráticas. Michels faz, assim, da sua desilusão um objeto de investigação. É justamente a partir da observação dos fenómenos sociais internos aos partidos políticos de massa que ele elabora a “lei férrea da oligarquia”, ou seja, do domínio de uma minoria em qualquer grupo social. Tal como acontece em Mosca, na teoria de Michels a organização social desempenha um papel fundamental, não apenas no sentido de que o exercício e a preservação do poder dependem das capacidades organizadoras dos governantes (como em Mosca), mas sobretudo no sentido de que a elite dirigente (e, consequentemente, a separação entre “chefes” e “massa”) surge da própria necessidade objetiva da organização em qualquer associação humana.

De acordo com Michels, a organização qualifica todo o grupo social no seu processo de expansão e de articulação: a estrutura organizada do grupo faz surgir as posições privilegiadas e o poder dos “chefes” e, finalmente, o predomínio da oligarquia. A organização implica necessariamente a afirmação e consolidação de uma elite não controlada e, de facto, todo-poderosa.

Assim, o processo de organização de um movimento político, impulsionado pelas massas, pode ser representado como uma parábola, com uma fase crescente (de democratização e participação, que corresponde à expansão inicial do movimento), um vértice (que corresponde ao ponto em que o movimento, devido à sua dimensão, já não pode sobreviver sem uma organização interna), e uma fase decrescente (que corresponde ao processo de centralização e burocratização, e portanto de oligarquização, do movimento).

O princípio da organização representa, portanto, uma conditio sine qua non para qualquer ação coletiva e, em particular no caso dos partidos socialistas, para a luta política da classe operária. Contudo, sublinha Michels, os partidos sempre oscilam entre dois perigos que representam os Cila e Caríbdis da vida política: por um lado, a desorganização, por outro, a oligarquia. A organização, diz Michels utilizando uma metáfora hidráulica característica da literatura sobre massas e elites, é a fonte das correntes conservadoras que fluem sobre as planícies da democracia, com inundações desastrosas que as tornam irreconhecíveis. Fora de metáfora: a oligarquia, com as suas tendências à auto-preservação, será sempre conservadora e, portanto, não poderá não introduzir dinâmicas conservadoras também no mais revolucionário dos partidos.

Há, em suma, razões técnicas, ligadas à divisão do trabalho, que justificam tanto o surgimento de oligarquias dirigentes como a sua sobrevivência. Com efeito, os membros destas oligarquias desenvolvem ulteriormente um conjunto de capacidades que lhes permite defender a sua posição dominante. A organização política conduz ao poder, mas o poder é sempre conservador.

Michels tem como ponto de partida da sua reflexão uma conceção fundamentalmente rousseauiana da democracia. A partir deste modelo, exigente, ele vê como ilusória qualquer forma de democracia real. O sistema “representativo” nunca é realmente representativo – porque, seguindo Rousseau, a vontade popular não pode ser representada, mas também porque, seguindo Pareto, não existe nada como uma real “vontade popular” – e, portanto, nunca é realmente democrático. E isto tanto no caso dos regimes parlamentares, como no da organização interna dos partidos. Não há nenhuma possibilidade de “transferir” ou “delegar” a soberania: a vontade de um indivíduo, assim como a de um grupo, não pode ser “transferida”. Qualquer suposta “transferência” deste tipo é, na verdade, uma abdicação e conduz inevitavelmente ao domínio dos “representantes” sobre os “representados”.

4. Elitismo e liberal-democracia

As versões originárias da teoria das elites representam, em primeiro lugar, um potencial ideológico antidemocrático e antissocialista. Os trabalhos dos primeiros elitistas (e em particular de Pareto e de Mosca) baseavam-se numa filosofia da história essencialmente estática, em que as revoluções representavam fenómenos transitórios de perturbação do equilíbrio social, causados pela substituição de uma classe dirigente por outra. E, sobretudo, traduziam a observação do domínio das elites numa lei fundamental da realidade social, que falsifica portanto qualquer pretensão de governo “do povo”, de “democracia” (num sentido literal). Contudo, a teoria das elites foi utilizada também para descrever o funcionamento dos regimes democráticos e, em particular, das democracias liberais. A reflexão de Gaetano Salvemini e a paralela influência, na academia americana, exercida pela obra de Pareto a partir dos anos 30 do século XX podem ser consideradas duas premissas da aplicação do estudo das elites políticas ao contexto das democracias liberais.

a) Gaetano Salvemini e o elitismo pluralista

Gaetano Salvemini (1873-1957) foi professor, político e parlamentar, ligado, em particular numa primeira fase, ao movimento socialista. Opositor do regime fascista, a partir dos anos 30 exilou-se em Paris e Londres e, finalmente, nos Estados Unidos, onde, a partir de 1934, se tornou professor de “história da civilização italiana” na Universidade de Harvard. Neste período, grande parte da sua produção está ligada à reconstrução do processo de formação do movimento fascista e à definição das características do seu regime.

É neste contexto que Salvemini procura esclarecer quais critérios fundamentais permitem diferenciar os conceitos de “democracia” e “ditadura”. Em 1934, Salvemini publica, no The Harvard Graduates Magazine, um artigo intitulado “Democracy and Dictatorship”, que pode ser considerado como um epítome da sua conceção elitista da democracia (Azzolini 2017; Portinaro 2019: 59-89). Neste texto, concordando com Pareto e Mosca, Salvemini reconhece que qualquer forma de governo é sempre governo de minorias. Contudo, há diferenças entre democracia e ditadura. Em primeiro lugar, as ditaduras defendem o próprio monopólio por meio de uma repressão violenta. Em segundo lugar, e este é, de facto, o critério fundamental, a democracia caracteriza-se como um regime de “livre competição” entre minorias organizadas (partidos), com vista ao governo de um estado. Há, portanto, compatibilidade entre regimes democráticos e governo das minorias, pois a competição entre partidos traduz-se num certo grau de controlo das maiorias sobre as minorias. Não há, sobretudo, uma única elite (como acontece nos regimes autoritários), mas sim um pluralismo de elites, e a relativa capacidade de controlo das maiorias permite manter um grau de dependência mútua e de porosidade entre a classe dirigente e a classe dirigida. Uma função para garantir tanto a dependência entre governantes e governados, como a circulação entre elite e não-elite, é desempenhada pelos partidos políticos, os quais presidem aos processos de seleção e de formação – e, portanto, de renovação – das elites políticas. Os partidos políticos são assim vistos como organizações que atuam no mercado parcialmente livre da política (isto é, em competições eleitorais) e que permitem alguma renovação da classe política.

Salvemini não ignora que todos estes processos estão sujeitos a dinâmicas de degradação e de esclerose, mas também quer resgatar a democracia como processo de seleção das elites, superando a alternativa radical entre democracia real e oligarquia apresentada por Michels. A democracia representativa, indireta, é sobretudo um conjunto de regras, de processos ou, melhor, um método. É nestes processos, e em particular nos processos de seleção das minorias de governo, que podemos encontrar os elementos estruturais que diferenciam a forma de governo democrática das formas autoritárias: a competição entre partidos e a reiteração da escolha (isto é, eleições periódicas). Elementos estruturais estes que implicam outras características definitórias da democracia, como liberdade de manifestação, de associação política, de imprensa, etc., as quais permitem a existência de um espaço de livre competição.

Democracia e ditadura não são assim, em Salvemini, dois conceitos radicalmente opostos. Eles colocam-se nos dois extremos de um continuum em que o grau de liberdade ou de repressão pode variar significativamente. Um regime parlamentar não é necessariamente um regime democrático, sendo que o próprio sufrágio universal não é suficiente (pois pode coexistir com formas de democracia plebiscitária), bem como o governo da maioria não é suficiente (já que não garante o respeito pelos direitos individuais). Por sua vez, as instituições democráticas são um âmbito aberto de competição, e os partidos evolucionários têm uma relação problemática com a democracia.

b) As bases do elitismo americano: o Pareto Circle, Harvard e James Burnham.

Aquando da chegada de Gaetano Salvemini, existia já na Universidade de Harvard um grupo de trabalho e discussão em torno da obra de Vilfredo Pareto, que deu origem ao que Joseph Schumpeter chamou, num artigo publicado em 1949, “a short Pareto vogue” (Schumpeter 1949a: 147). Animado pelo fisiólogo Lawrence J. Henderson, o grupo, chamado “Pareto circle”, que organizou entre 1932 e 1934 um seminário de leitura do Tratado de sociologia geral, incluía o próprio Schumpeter e o sociólogo Talcott Parsons, além de alguns principais responsáveis da divulgação da obra de Pareto na academia americana da época, como o historiador Crane Brinton, o crítico literário Bernard DeVoto e o sociólogo George C. Homans (Heyl 1968; Keller 1984; Cot 2011; Isaac 2012: cap. 2). A difusão da obra de Pareto será ulteriormente facilitada, a partir de 1935, pela publicação nos Estados Unidos da tradução inglesa do Trattato, com o mais apelativo título The Mind and Society (Pareto 1935).[12] Embora interessados sobretudo noutros aspetos da sociologia de Pareto[13], e não especificamente na teoria das elites, os membros deste grupo contribuíram de maneira decisiva para o debate sobre a obra do sociólogo italiano. Através do Trattato, e da sucessiva tradução, em 1939, dos Elementi de Mosca (Mosca 1939)[14], a teoria das elites é introduzida no debate socio-politológico americano. É interessante notar, deste ponto de vista, a frequência de referências a Pareto e a outros elitistas em livros da autoria de professores de universidades americanas (e em particular de Harvard), entre os anos 30 e 40. Alguns deles incluíam revisões críticas da sociologia paretiana: é o caso de The Structure of Social Action, do também membro do “Pareto Circle” Talcott Parsons (1937 [1966]), e do ainda mais crítico The New Belief in The Common Man, publicado em 1942 por Carl J. Friedrich, então professor de “government” em Harvard. Do clássico Capitalism, Socialism and Democracy, publicado no mesmo ano de 1942 pelo também professor de Harvard (e participante dos seminários de Handerson) Joseph Schumpeter, falaremos infra. Falta ainda acrescentar algumas observações sobre James Burnham, autor do já citado The Machiavellians que, como sabemos, dedicava um capítulo à análise da sociologia política de Pareto.

Burnham partilhava muitas das premissas teóricas “realistas” com os outros teóricos das elites: uma antropologia negativa, um programa de análise científica (isto é: anti-metafísica) e descritiva dos fenómenos sociais, a afirmação da necessária separação entre factos e valores. Num seu livro anterior, The Managerial Revolution (Burnham 1941), descrevia a sociedade industrial numa fase de transição, cada vez mais caracterizada pelo domínio dos managers e dos tecnocratas sobre as outras classes. Burnham identificava, no período de maior sucesso das economias planeadas, os primórdios de uma evolução que abrangia não apenas, como é óbvio, os estados com sistemas económicos corporativistas ou socialistas, mas também, por razões intrínsecas ligadas à complexidade do sistema de produção industrial, os países de economia de mercado. Os managers não constituíam, contudo, uma “classe” no sentido marxista da palavra, mas uma elite no sentido paretiano. Com efeito, The Machiavellians traça uma teoria da evolução social amplamente devedora da teoria da circulação das elites de Pareto. A sociedade industrial acelera, portanto, um processo social “revolucionário” caracterizado por uma mudança rápida na estrutura da elite, ligada a cinco fatores fundamentais: (a) A dificuldade da elite em lidar com as possibilidades abertas pelo progresso tecnológico; (b) a rejeição por uma parte considerável da elite das responsabilidades de governo de uma sociedade; (c) a falta de processos de cooptação na elite de governo de outsiders; (d) a perda de confiança da elite na legitimação da sua própria função de governo e o esgotamento, na sociedade em geral, da fé nos “mitos políticos”; (e) a incapacidade de recorrer à força, quando necessário, preferindo-lhe o uso exclusivo da manipulação, do compromisso, do engano e da fraude (Burnham 1943: 228-9). Todos estes fatores – eis um outro elemento da análise tanto de Pareto como de Mosca – apenas limitadamente dependem da vontade dos atores sociais. Pelo contrário, são largamente influenciados por padrões de mudança social que têm um andamento cíclico e, em boa medida, inelutável. A compreensão destes fenómenos, portanto, é dificultada pelo facto de as relações causais espalharem-se nos gânglios da sociedade e difundirem-se nos elementos mais escondidos e menos aparentes das relações inter-individuais. Em Burnham, como em todos os elitistas, a sociedade é vista como um sistema complexo, um “aglomerado” constituído por uma miríade de micro-interrelações que causam os processos de evolução. Daí decorre, também, a dificuldade em planear o desenvolvimento social. Recorrendo mais uma vez à metáfora hidráulica de origem maquiaveliana, Burnham compara a história a um curso de água cujo fluxo não pode ser invertido (Burnham 1947: 144-5).

c) Joseph Schumpeter: uma outra ideia de democracia

Em 1942, um economista austríaco que desde 1932 ensinava em Harvard publicou Capitalism, Socialism and Democracy, um livro que se tornaria num clássico da teoria política graças, em especial, à sua definição “alternativa” de democracia (Schumpeter 2002 [1942]: capítulos XXI e XXII). Como já havia feito Salvemini, Joseph Schumpeter (1883-1950) identificava na competição das elites de governo um traço distintivo fundamental dos regimes democráticos. E mais: para ele, a democracia não devia ser considerada, consoante fazia a teoria “clássica”, um processo que vai de baixo para cima, em cuja base se encontra uma suposta “vontade popular” que se identifica com um “bem comum” que os representantes deverão traduzir fielmente em leis e medidas de governo. A democracia é, essencialmente, um processo que vai em sentido contrário: de cima para baixo. É, justamente, uma competição entre minorias de políticos de profissão para angariar os votos de grupos de eleitores. Schumpeter insistia, deste ponto de vista, na analogia entre competição política e mercado: um político lida com os eleitores assim como um comerciante lida com os consumidores. Enquanto o comerciante terá de favorecer o encontro entre a oferta e a procura, o político elabora uma plataforma programática e ideológica que possa ir de encontro às exigências dos eleitores, de forma a obter os seus votos e assim conquistar o poder. O uso que faz deste poder é, afinal, uma questão diferente. Também nas democracias, os eleitores têm um escasso potencial de controlo da classe de governo. O ponto central, para Schumpeter, é que este tipo de regime é caracterizado por eleições periódicas que são representáveis como competições para o poder. O político, portanto, “manufatura” uma determinada “vontade coletiva”, que com certeza não corresponde à “vontade do povo”. Esta, como tal, não existe, porque “o povo” é, na verdade, um mosaico de interesses frequentemente em conflito e irreconciliáveis. Esta vontade “manufaturada” tem, no máximo, uma correspondência com a vontade sectorial dos eleitores. Que tipo, então, de correspondência? Schumpeter não quer sugerir que este processo de “manufatura” seja necessariamente um processo de manipulação fraudulenta – ideia esta que afinal constitui sempre o pano de fundo da análise paretiana. É perfeitamente possível que essas “exigências” e esses “interesses” sejam reais, mas serão destinados a permanecer num estado de latência até encontrarem um intérprete que lhes atribua uma fisionomia política, transformando-os assim numa vantagem eleitoralmente competitiva. Em suma, o político tem de perceber quais são as necessidades não exprimidas, ou criar uma nova necessidade à qual associar um determinado “produto” que a satisfaça.

A metáfora “comercial” de Schumpeter é intuitiva, mas não se esgota na relação entre oferta e procura, abrangendo também o papel dos partidos. Todos os grandes partidos políticos organizados, sejam eles partidos de governo ou de oposição, têm uma tendência para desenvolver dinâmicas de tipo monopolista. E os monopólios são problemáticos tanto no âmbito económico como no âmbito político, porquanto a ausência de competição enfraquece dois fatores: a atenção para com as reações dos destinatários (sejam eles clientes, utentes ou eleitores) e o estímulo para melhorar o próprio produto e vencer os concorrentes. Deste ponto de vista, muito depende da capacidade que um determinado sistema democrático tem de garantir níveis suficientes de competição interna aos próprios partidos.

Schumpeter ligava assim as suas reflexões no âmbito político àquelas desenvolvidas no âmbito da sociologia económica (Schumpeter 1947; 1949b). Com efeito, um conceito chave da teoria económica de Schumpeter é o de inovação, interpretada como força interna de descontinuidade. O motor central do processo de inovação caracterizado pela “destruição criativa” é, de acordo com Schumpeter, representado pelo empreendedor. Os empreendedores desempenham uma função crucial de desenvolvimento porque introduzem inovações que “destroem” as situações consolidadas e introduzem, assim, elementos de rutura e de novidade. Para que isto seja possível num contexto de economia de mercado, é necessário crédito. E quem fornece o crédito são os “capitalistas”. Com efeito, estes representam o elemento calculador e racional do sistema, enquanto os empreendedores agem (também) motivados por instintos pré-racionais, como o gosto pela competição em si, o orgulho familiar, o desejo de primar, etc. O empreendedor representa uma forma interna do desenvolvimento da sociedade capitalista, não apesar de, mas sim graças a elementos externos à racionalidade deste mesmo sistema. Desta forma, este último desenvolve-se através de uma dinâmica entre a tendência para a racionalização e a estabilidade (que desencadeia processos de monopolização) e a tendência para a rutura e a descontinuidade criativa.

De acordo com Schumpeter, os sistemas democrático-liberais funcionam, ceteris paribus, assim. Os partidos, como grandes organizações centralizadoras, burocráticas e tendencialmente resistentes à mudança, representam a componente de racionalização. Os eventuais outsiders representam a versão política do empreendedor schumpeteriano. Neste ponto, a teoria do empreendedor encontra, novamente, a teoria da “manufatura” do consenso político.

Para Schumpeter, não há nenhuma “vontade coletiva” e qualquer “coletivo” é, de facto, caracterizado, mesmo debaixo da superfície de uma aparente ação comum, por impulsos que vão em direções opostas e que o ameaçam continuamente de desagregação. Como atuam, então, os grupos? Selecionando uma liderança. O líder é quem dá uma fisionomia aos seus interesses, um corpo às suas exigências, e cria uma vontade política. O líder, de facto, constrói – mais uma vez, de cima para baixo – a imagem de uma ação coletiva. Em âmbito político, este resultado é obtido graças às técnicas de persuasão. O empreendedor político – como o empreendedor tout court – não deve necessariamente inventar um novo produto. Pode limitar-se a reorganizar de maneira inovadora as exigências dos eleitores ou a aproveitar recursos que já existem, mas que não foram ainda adequadamente explorados.

Finalmente, neste modelo, na sua caracterização política e elitista, é preciso considerar ainda dois fatores. Em primeiro lugar, as qualidades que fazem de um indivíduo um “empreendedor político”, as qualidades que lhe permitem ganhar a competição (capacidade de persuasão, senso da oportunidade, habilidade em interagir com outros) não fazem necessariamente dele (ou dela) um bom governante ou um bom administrador. Para além disso, uma consequência importante do modelo democrático competitivo é que o político tem de gastar muitos recursos (físicos, cognitivos, simbólicos, de tempo) para ganhar sucessivas competições e defender a sua posição, recursos esses retirados à atividade de governo. Chegamos, assim, ao segundo e último fator, voltando ao papel do partido. Impondo uma forte seleção à entrada de elementos inovadores, os partidos “monopolistas” frustram as aspirações dos empreendedores políticos. Mas é verdade, também – na senda da analogia económico-industrial – que uma empresa que goze de uma posição de (pelo menos relativo ou temporário) monopólio pode ter a estabilidade e os meios necessários para atrair inovação, apostando em investimentos de risco mais elevado e de médio-longo prazo que um empreendedor isolado não se pode permitir.

Pode-se ver, portanto, como Schumpeter desenvolve ao mesmo tempo alguns temas do elitismo clássico (a necessária divisão de qualquer grupo numa maioria de governados e uma minoria de governantes, a estrutural incapacidade de grandes grupos de qualquer ação coletiva coerente e unívoca) e a ideia já articulada por Salvemini da democracia liberal como âmbito institucional de competição entre minorias, introduzindo ao mesmo tempo na sua análise o papel central dos grandes partidos políticos organizados (que encontramos em Michels) e uma original analogia explicativa com as dinâmicas da economia de mercado (competição comercial e dinâmica entre procura e oferta) e com o papel do empreendedor em âmbito industrial (inovação, relação entre motivações irracionais e processos de racionalização, dialética entre rutura e continuidade). A análise desenvolvida a partir dessas referências teóricas permite a Schumpeter, assim, contrapor dois modelos, um modelo “clássico” (que ele interpreta como fundamentalmente ideológico), reconstruído a partir de uma seleção de elementos da teoria democrática de inspiração tanto rousseauiana como utilitarista[15], e um alternativo, que corresponderia a uma adequada descrição das práticas reais das democracias liberais contemporâneas.

5. O elitismo do segundo pós-guerra nas duas margens do Atlântico

Durante a segunda metade do século XX, a abordagem elitista desempenhou o papel de um autêntico paradigma da teoria política. Mas é, de facto, um paradigma que deve ser articulado em duas abordagens: descritiva e crítica. Como se viu anteriormente, esta dupla dimensão está sempre presente nas abordagens elitistas, embora não seja sempre explicitada. Nos elitistas clássicos, e em particular em Mosca e Pareto, encontramos, por detrás de uma assumida neutralidade “científica”, uma crítica aos movimentos democráticos e socialistas e aos seus “mitos”. Algo semelhante podemos encontrar em Schumpeter e nas abordagens elitistas entre as duas guerras. Por outro lado, o próprio movimento socialista (em particular através de algumas páginas de Gramsci e Lenine) apropria-se de elementos da doutrina elitista em função estratégica, sublinhando, por exemplo, o papel fundamental dos intelectuais (não quando se autorrepresentam como membros de uma suposta “classe intelectual” independente das outras, mas sim quando se percebem como membros “orgânicos” da classe à qual pertencem), da “vanguarda” do proletariado, dos “revolucionários de profissão”. A partir dos anos imediatamente anteriores à segunda guerra mundial, e depois de forma ainda mais decisiva no segundo pós-guerra, a teoria das elites fornece conceitos analíticos cruciais para uma crítica não apenas dos movimentos socialistas, mas também e sobretudo dos regimes socialistas. À medida que as ideologias do “poder popular” se expressam nas práticas das “democracias populares”, os críticos do “socialismo real” apontam para a inevitável existência, também nos regimes de além-cortina, de elites e oligarquias de governo que em sistemas monopartidários e não pluralistas tornam-se ainda mais inamovíveis e incontroláveis e que se caracterizam tipicamente por práticas de poder endógenas e por uma radical separação com o resto da sociedade.

De outro ponto de vista, a sociologia política contemporânea desenvolve-se, em particular nos Estados Unidos, a partir de uma sistemática análise das características e das funções das elites de governo e das suas relações com a “não elite”. Esta análise, que também neste caso apresenta-se com um programa em primeiro lugar “descritivo”, não deixa, contudo, em alguns autores, de desempenhar também um papel crítico em relação a alguns mitos fundantes da democracia americana em particular e das democracias liberais mais em geral. Por exemplo, ao mito da “soberania popular” contrapõe-se a descrição da separação entre povo e elites de poder, ao mito da igualdade das oportunidades, as práticas endogâmicas das elites, ao mito de uma sociedade dinâmica e pluralista a “cartelização” e a solidariedade interna entre as diferentes elites. Assim, a própria “descrição” da democracia liberal que podemos encontrar em Salvemini ou em Schumpeter como espaço institucionalizado de livre competição entre elites é por sua vez criticada como “mitológica”, uma vez que se faz corresponder a imagem da competição à realidade de práticas fundamentalmente corporativas que unem as elites dos diferentes âmbitos do governo (económico, político, militar) num “bloco” coerente.

a) Karl Mannheim e a democracia elitista.

Nos estudos reunidos em 1935 em Mensch und Gesellschaft im Zeitalter im des Umbaus, livro publicado depois numa segunda e acrescentada edição inglesa em 1940 (Mannheim 1940), Karl Mannheim (1893-1947) recuperava a teoria das elites clássica para analisar criticamente o processo de democratização no período entre as duas guerras. Como veremos, as suas considerações irão influenciar decisivamente o debate em torno da democracia representativa na segunda metade do século XX. Nesses textos, Mannheim identifica um processo de desenvolvimento da democracia como sistema expressando-se num acrescido controlo popular e num alargamento da participação política, com base na ideia da igualdade, cuja aplicação vai na direção da redução das hierarquias e das relações de subordinação. A experiência das ditaduras nazi-fascistas demostra que este alargamento não é sem riscos e que o processo de democratização está sujeito a degenerações. Conjugando o elitismo clássico e sob a influência da psicologia das multidões, Mannheim vê na intemperança das massas um perigo para a democracia. O processo de democratização torna as massas mais predispostas para os apelos da demagogia e, em último lugar, do totalitarismo. O governo das elites é assim considerado, por Mannheim, como uma correção necessária que permite salvaguardar a liberdade de participação num sistema que só pode ser indiretamente – isto é, “representativamente” – democrático (Bovero 1975: 21-24).

Contudo, o carácter democrático do sistema não será prejudicado, uma vez que as elites são selecionadas e controladas pelas massas. Insistindo particularmente no papel dos intelectuais, Mannheim vê as elites como vanguardas conscientes capazes de orientar as massas, colocando os necessários “freios” às tendências igualitárias e preservando, assim, a ordem social. Como se vê, em Mannheim os temas clássicos do elitismo são declinados à luz da crise política e cultural das democracias europeias entre as duas grandes guerras. Os processos democráticos reduzindo a distância entre elites e massa favorecem uma excessiva abertura e um aumento do número das elites. Isto faz que, como havia já observado Pareto, as elites não consigam alcançar a necessária estabilidade. A maior abertura reduz drasticamente o nível de impermeabilidade e de isolamento que é necessário não só para a autoconservação das elites, mas também para uma seleção exigente dos novos membros. Pelo contrário, esta situação faz aumentar o espaço da ação da massa, e esta última é sempre suscetível de cair nas mãos de demagogos e ditadores [Bovero 1975, 133-134]. Assim, a crítica da democracia radical transforma-se, em Mannheim, numa reedição, aplicada ao contexto das democracias liberais, da fase decadente das “plutocracias” de Pareto, em que elites burguesas de “raposas” tentam governar, com a manipulação, a persuasão ou até a fraude, com o apoio das classes populares. Um processo que, tanto em Pareto como em Mannheim, só pode levar, no médio prazo, a uma definitiva decadência das elites de governo (Bovero 1975: 132-34).

b) Teoria das elites e crítica dos regimes socialistas: Bertrand de Jouvenel e Raymond Aron

No período da guerra fria, a teoria das elites desempenhou também o papel de instrumento conceitual ao serviço de uma crítica liberal dos regimes socialistas, vistos como regimes rigidamente oligárquicos e, portanto, opressores. Deste ponto de vista, dois temas fundamentais podem ser considerados. Por um lado, conforme a tradição do “elitismo democrático”, reconhece-se que se é verdade que todos os regimes políticos são oligárquicos, é verdade também que nem todas as oligarquias são iguais. Por outro lado, o elitismo é visto como consequência de uma heterogeneidade social que, se não pode ser eliminada, pode não obstante ser comprimida (nos regimes iliberais) com consequências negativas do ponto de vista não só das liberdades individuais mas também do desenvolvimento social e económico. Este último é um dos pontos de contacto entre liberalismo clássico e teoria das elites que, como já se viu, constitui um traço essencial do “neo-maquiavelismo” na análise de Burnham: a ideia de que as sociedades – e em particular as sociedades complexas contemporâneas – são caracterizadas por uma pluralidade de interesses em conflitos e que este conflito, quando institucionalmente gerido de forma a reduzir o seu potencial desagregador, é um fator de desenvolvimento social.[16]

Podemos encontrar esta ideia claramente expressa em Du pouvoir, publicado em 1945 pelo politólogo francês Bertrand de Jouvenel. Nas democracias liberais, os parlamentos funcionam como “câmara de compensação” destes conflitos de interesse (em primeiro lugar individuais, depois coletivos), que são assim traduzidos em programas políticos e de governo e, desta forma, processados por meio de negociações e de compromissos. A mesma heterogeneidade que dá origem às dinâmicas internas de qualquer sociedade está na base da articulação da mesma numa maioria de governados e numa minoria de governantes. Com Schumpeter, Jouvenel nota como nas democracias modernas os processos eleitorais não vão de baixo para cima – como a ideologia democrática defende – mas, ao contrário, de cima para baixo. Os candidatos apresentam-se aos eleitores de facto oferecendo uma plataforma política ou um carisma individual. Com o advento dos partidos políticos de massa, esta dinâmica tem-se exacerbado na forma de uma “imposição” dos eleitos aos eleitores. A análise de Jouvenel das democracias modernas aproxima-se, assim, à desconfiança para com o sufrágio universal dos elitistas liberais do século XIX ou à posição de Mannheim sobre o risco de degeneração inerente aos processos democráticos (Jouvenel 1972 [1945]).

Mais articulada e teoreticamente profunda aparenta ser a análise de Raymond Aron (1965). No seu caso, o uso de conceitos oriundos da teoria das elites para construir uma crítica dos regimes socialistas é mais consciente e coerente. Também para Aron, as democracias liberais, como todos os outros sistemas políticos, são governadas por uma oligarquia. Contudo, neste caso trata-se de uma elite que não tem o potencial de repressão das oligarquias dos regimes de tipo soviético. Estes últimos são caracterizados por elites coesas e centralizadoras, enquanto as elites dos regimes liberais são plurais e frequentemente divididas. Aron pretende desmistificar a ideia de uma “sociedade sem classes” mostrando – mais uma vez na senda do liberalismo clássico – como ela esconde, de facto, a realidade do domínio de uma elite que não é possível controlar, nem sequer parcialmente. O pluralismo das elites tem, assim, consequências também do ponto de vista das massas, uma vez que numa sociedade caracterizada por uma competição entre elites não será possível a instauração de uma única elite despótica. O resultado será, portanto, uma maior liberdade civil dos governados, que não depende, porém, de uma direta capacidade de condicionamento das elites. Em Aron, como nos outros elitistas, os processos eleitorais são interpretados como processos de condicionamento do eleitorado por parte das próprias elites. Mas é mesmo a multiplicidade das elites de governo que funciona como tutela das próprias derivas autoritárias que podem decorrer da tirania da maioria e das derivas plebiscitárias e demagógicas das democracias liberais. Também em Aron, portanto, a análise “realista” das dinâmicas das elites conjuga-se com a visão liberal de uma democracia moderada cujos limites institucionais são chamados a impedir degenerações demagógicas e, em última análise, totalitárias (Bovero 1975: 25-27, 136-37).

c) A teoria das elites como paradigma da sociologia política americana

Como vimos, os teóricos das elites europeus do imediato pós-guerra são influenciados, essencialmente, por duas experiências históricas: as crises das democracias liberais do período entre as guerras, que deram origem, em muitos países europeus, a regimes de tipo fascista ou autoritário, e as características marcadamente autoritárias dos regimes socialistas de além cortina, durante a guerra fria. Por outro lado, a teoria das elites continuou a influenciar, na academia americana, o âmbito da sociologia em geral e da sociologia política em particular, como teoria que permite explicar o real funcionamento do poder. O que não impede, como veremos, que adquira uma tonalidade polémica em relação aos mitos fundamentais da sociedade americana. O discurso é, contudo, neste caso, menos teórico-filosófico e mais contextualizado na realidade da sociedade americana do segundo pós-guerra.

Além de Talcott Parsons, que debate a obra, entre outros, de Pareto, Harold D. Lasswell é outro dos autores de referência desta tradição (Lasswell 1951 [1936]). O ponto de partida, novamente, é a “fundamental desigualdade” entre os poucos que têm poder político e os muitos que não o têm, traço fundamental de qualquer regime político, embora com características diferentes. A determinação das condições concretas de exercício do poder depende, portanto, da identificação dos grupos politicamente influentes, e dos seus comportamentos. Esta ideia constituir-se-á como um autêntico leitmotiv da sociologia política americana a partir dos anos imediatamente a seguir à segunda guerra mundial: descrever as práticas do poder significa, para esta tradição, identificar os grupos de poder e descrever as suas dinâmicas. Sendo assim, em Lasswell (como em outros autores), a “elite” não pode ser identificada a partir de determinadas características institucionais, mas sim a partir da capacidade ideal que ela tem de influenciar o “governo” de uma sociedade. O observatório da sociedade americana permite a estes autores superar a distinção entre “classe política” e “classe de governo” e a massa dos governados, assim como prestar maior atenção a todos os centros de poder: mais ou menos institucionalizados, mais ou menos formais, mais ou menos públicos (Bovero 1975, 28-29, 201-202).

Desenvolvendo a análise dos “centros de poder”, C.W. Mills, no seu clássico The Power Elite (Mills 1956), identifica três níveis: um nível elevado, constituído pelas elites do poder económico, político e militar; um nível intermédio, constituído pelos partidos, pelos sindicados, pelo associacionismo da “sociedade civil”; e, finalmente, um nível inferior, constituído por uma massa desprovida de qualquer capacidade de influência sobre as decisões, e relevante apenas como objeto de manipulação. Assim, contrariando em parte as análises “pluralistas”, Mills aponta para a diferença substancial entre articulações institucionais (por exemplo, dos poderes estatais) e a fundamental unidade e o conluio de uma elite dominante que defende em primeiro lugar a própria posição, com uma elevada porosidade entre os âmbitos militar, político e económico, enquanto o nível intermédio, longe de constituir um elo de ligação entre o nível superior (com o qual pode manter relações de clientela) e o nível inferior, constitui-se como uma barreira que impede ao nível inferior qualquer acesso às esferas da decisão. A análise de Mills assume, assim, uma decisiva tonalidade crítica, em particular do mito americano da mobilidade social e do livre desenvolvimento individual, insistindo no carácter essencialmente rígido de uma sociedade governada por uma elite coesa e autorreferencial (Bovero 1975: 29-31, 203-206).

A Mills fazem de contraponto outros autores como, em particular, David Riesman e Robert A. Dahl. Riesman (2001 [1950]), retoma o tema típico do elitismo democrático e pluralista da democracia como fase de fragmentação do poder entre diferentes grupos sociais. Ele identifica, na sociedade americana, um nível “organizado” dotado de um poder de “veto” que lhe permite defender os seus interesses, e um nível “residual” caracterizado por falta de coesão e organização interna. Contudo, o facto de o nível “organizado” ser coeso na defesa dos seus interesses não significa que partilhe também os mesmos interesses. Também este nível é caracterizado por uma pluralidade de interesses e, portanto, por conflitos internos. O poder de “veto” traduz-se assim numa constante atividade de negociação interna à própria elite, que é característica das sociedades pluralistas (Bovero 1975: 32-33, 203).

Para Robert A. Dahl (1961), na sociedade americana, como em todas as sociedades pluralistas, o poder é dividido entre um conjunto de grupos, cada um dos quais tem apenas uma limitada capacidade de influência: isto é, limitada a um determinado âmbito. Assim, os processos de decisão não são isentos de conflitos e parece mais correto falar em elites, no sentido de uma multiplicidade de centro de poder, do que numa elite unitária e integrada. Os processos de decisão, em âmbito político e não só, caracterizam-se por contrastes reais, e as sociedades democráticas só podem sobreviver graças a uma pelo menos relativa comunhão de valores entre governados e governantes. Nas sociedades democráticas e pluralistas – e Dahl retoma aqui a posição típica do elitismo democrático – não há elites “dominantes”, apenas elites de governo que são em certa medida realmente diferenciadas (Bovero 1975: 33-34, 207).

6. Conclusão

Limitámos a nossa exposição principalmente a dois períodos de desenvolvimento da teoria das elites, que hoje podem ser considerados como clássicos. O primeiro corresponde à fase de alargamento do sufrágio em muitos países europeus, o segundo à ascensão do modelo liberal-democrático nos dois lados do Atlântico. A sociologia política e a teoria política contemporâneas reconhecem, hoje, os limites teóricos e metodológicos do elitismo clássico. Ao longo das décadas, a teoria das elites tem sido – e ainda é – alvo de críticas. À tradicional crítica marxista que via na “elite” um conceito confuso, ele próprio um resíduo ideológico-metafísico que era necessário substituir com o conceito de “classe”, sobrepôs-se recentemente uma crítica mais transversal que abrange tanto a teoria como a sociologia política. Esta crítica aponta para a incapacidade dos teóricos das elites de ver e, por conseguinte, de descrever corretamente o potencial de auto-organização dos grupos, as dinâmicas espontâneas da sociedade, a realidade de movimentos acéfalos e não hierárquicos e, não obstante, politicamente relevantes. Perante estas observações, é importante sublinhar os limites de qualquer abordagem reducionista, a partir das que limitam às práticas das elites qualquer forma de ação política. Contudo, os conceitos analíticos introduzidos pelos teóricos das elites delineiam um paradigma que não aparenta estar, hoje, totalmente ultrapassado. O estudo das dinâmicas cíclicas das elites, o papel crucial das minorias organizadoras, a relação entre maiorias governantes e minorias governadas têm influenciado não apenas a teoria política, mas também o estudo da opinião pública e das técnicas de construção do consenso. Em âmbito político, os teóricos das elites têm apresentado, com a abordagem pluralista, um critério eficaz de diferenciação entre regimes autocráticos e regimes democráticos que, se por um lado não negligencia os riscos das derivas oligárquicas, por outro não apaga as diferenças entre regimes políticos e arquiteturas constitucionais. No estudo da opinião pública, têm desenvolvido as observações iniciais de Pareto e de Mosca sobre o carácter fraudulento da manipulação política, estabelecendo as bases para uma análise mais refinada (e, também neste caso, menos reducionista) das técnicas de persuasão e do seu uso, em particular nos processos eleitorais. Finalmente, os próprios processos de degeneração dos regimes democráticos, aos quais assistimos nos últimos anos, podem ser reconstruídos olhando para fenómenos de cristalização, rigidez e autorreferencialidade das elites, que reenviam às precoces análises de Gaetano Mosca e de Vilfredo Pareto. Deste ponto de vista, não deixa de ter um potencial explicativo, por exemplo, redimensionando a análise dos fenómenos populistas também como conflitos entre elites políticas.


[1] “Non defuit quod respondentur; deerat qui daret responsum” (literalmente: “não faltavam argumentos para responder; faltava quem desse a resposta”) III, 50, 16 (Lívio 1949: 166).

[2] Parece-me uma ulterior demonstração – caso seja preciso – do carácter intimamente republicano do pensamento de Maquiavel o facto de o capítulo que termina O Príncipe, o XXV (sendo o XXVI uma peroração aos governantes italianos e não propriamente um capítulo teórico), ser uma epítome e um paráfrase do capítulo 9 do livro III dos Discorsi, o capítulo onde Maquiavel enuncia aquela que considera a fundamental razão da superioridade das repúblicas. N’ O Príncipe, o discurso limita-se à discussão do papel da fortuna, apagando o trecho sobre a superioridade das repúblicas. Mas não deixa de ser significativo o facto de Maquiavel considerar a república superior ao principado justamente em razão da sua capacidade de lidar com a fortuna.

[3] Veja-se, a título de mero exemplo, os textos de Pasquale Rossi (1901), Enrico Ferri (1901), e Giuseppe Sergi (1889). Também neste caso, a frequência de títulos italianos não é casual. Ao lado de uma “escola” francesa animada pelos textos de Tarde e Le Bon, muitos dos autores que escrevem sobre este tópico pertenceram à escola de criminologia “positiva” de Cesare Lombroso.

[4] La rebelión de las masas, publicado entre 1929 e 1930.

[5] Masse und Macht (“Massa e poder”), publicado em 1962 mas fruto de um trabalho de análise e investigação que abrange mais de trinta anos da vida do autor.

[6] A teoria, consagrada por Thomas Carlyle na sua obra fundamental On Heroes, Hero-Worship, and The Heroic in History, de 1841, tivera uma influência decisiva sobretudo na historiografia do século XIX, disputada com a teoria alternativa (ligada à sociologia de Herbert Spencer) que individuava em anónimas dinâmicas sociais a força fundamental da história. Contudo, a teoria do “grande homem” tem sido de tal forma influente que é possível por vezes encontrar as suas formulações exemplares até em textos de sociólogos de ascendência spenceriana, como por exemplo em Guglielmo Ferrero (aluno, colaborador e genro de Cesare Lombroso): “Quase todos os grandes homens políticos tiveram um carácter intelectual e moral singular, isto é, oposto ao carácter do povo que governaram; e desta diversidade de carácter dependera, justamente, o seu sucesso, pois tendo qualidades que faltavam à nação e faltando-lhes os defeitos comuns no povo, puderam atuar de forma decisiva sobre este e ser admirados e seguidos como homens únicos” (Ferrero 1898: 5-6; v. também G. Le Bon 1898: 37-38).

[7] Susanna Barrows (1981) mostra como os intelectuais e literatos franceses traduziram numa análise supostamente científica das multidões do seu comportamento o mal-estar das elites perante as greves, as rebeliões e as manifestações operárias das últimas décadas do século XIX. 

[8] Sobre a sociologia de Pareto e a teoria das elites, v. Pareto (1916), em particular os §§ 2025-27, 2030-32, 2034-44, 2046-48, 2051-68, 2079-86, 2227-28, 2231-37, 2239, 2241, 2244-47, 2249-54, 2257-61.

[9] É justamente a ausência de uma adequada distinção entre utilidade objetiva e subjetiva que motiva a sua crítica ao utilitarismo de Bentham, e que leva Pareto a introduzir, também neste caso, uma ulterior categoria – a de “ofelimidade” (ofelimità) – para identificar a utilidade subjetiva (Pareto 1916: § 2111).

[10] Desconfiança justificada também, em Mosca, por uma posição essencialmente antissocialista. Mosca não ignorava que este problema era também uma questão de conteúdos políticos, e não só de “formas”. Numa carta de 2 de março de 1902, dirigida ao seu discípulo Giuseppe Rensi, autor de um livro em defesa da democracia direta, Mosca escrevia: “Eu não sei, pois, se um maior freio que as maiorias governadas podem opor às minorias governantes corresponda sempre com o progresso do inteiro corpo social. Parece-me que os efeitos práticos do referendo se concretizem sobretudo em pôr muitos limites à ação de todos os governos e fazê-los governar quanto menos for possível. Isto em muitos casos pode ser um bem, noutros não. Com certeza, em Itália o referendo teria recusado a conscrição obrigatória, mas teria também recusado a instrução e a vacinação obrigatória. Parece-me seguro que se há quarenta anos se tivesse perguntado ao povo italiano se queria o caminho de ferro e muitos impostos ou poucos impostos e nada de caminhos de ferro, teria preferido pagar menos e continuar com o sistema das diligências” (Rensi 1995: 225-6).

[11] Nas palavras de Mosca em Elementi di scienza politica: “A um filantropo viria certamente a vontade de indagar se a humanidade é mais feliz ou menos atribulada quando se encontra num período de calma e cristalização social, em que cada um deve fatalmente permanecer naquele grau da hierarquia social em que nasceu, ou quando atravessa o período exatamente oposto de renovação ou de revolução, que permite a todos aspirar aos graus mais elevados e a qualquer um chegar lá. Semelhante pesquisa seria difícil, e deveriam ter-se em conta na resposta muitas condições e exceções, e talvez ela fosse sempre influenciada pelo gosto individual do observador. Por isso evitaremos dá-la” (Braga da Cruz 2013: 419).

[12] À publicação da tradução foram dedicadas cinco páginas do número de 25 de Maio 1925 da The Saturday Review, editada, nessa altura, pelo membro do “Pareto Circle” Bernard DeVoto. Esse número incluía um breve ensaio biográfico de Arthur Livingston (“Vilfredo Pareto. A Biographical Portrait”), a tradução de um breve ensaio, fortemente crítico, do filósofo idealista italiano Benedetto Croce (“The Validity of Pareto’s Theories”), um ensaio do próprio DeVoto (“The Importance of Pareto”) e, finalmente, um ensaio de L. J. Henderson (“Pareto’s Science of Society”).

[13] Mormente, no conceito de equilíbrio, na ideia de sociedade enquanto agregado de elementos interdependentes, no papel central atribuído aos instintos e ao irracional, na crítica das ideologias. Deste ponto de vista, Pareto era apelidado de “Marx da burguesia” (Novack 1933). Com efeito, muitos destes autores encontravam em Pareto uma alternativa “à direita” à critica marxista. Provavelmente, o comprometimento do último Pareto com o fascismo terá contribuído para a decisiva atenuação da “vaga” paretiana nos Estados Unidos a partir sobretudo dos últimos anos 30.

[14] A tradução é prontamente objeto de uma recensão assinada por Eli Ginzberg (1939): Mosca é significativamente considerado como “precursor de Pareto”.

[15] Uma seleção que é frequentemente criticada como um cherry-picking de elementos diversos e, por vezes, contraditórios, pertencentes a tradições diferentes, que corresponde a uma estratégia argumentativa do “espantalho” e que permite, portanto, a Schumpeter construir artificiosamente um alvo polémico com base numa caricatura das teorias de autores como Rousseau e Bentham. A crítica tem fundamento. Contudo, é preciso lembrar que o alvo de Schumpeter, mais do que uma coerente teoria filosófico-política, era um “senso comum” sobre a democracia que ele encontrava no discurso político coevo (em particular, nos Estados Unidos do New Deal rooseveltiano) e que era, justamente, fruto de sugestões oriundas de tradições políticas e teóricas diferentes. Para perceber este aspeto, é particularmente importante olhar para o contexto cultural em que o livro de Schumpeter foi escrito, nos seus anos de Harvard.

[16] A este propósito, consoante sublinhou Norberto Bobbio (1970: 186), o liberalismo apresenta-se intrinsecamente como uma filosofia do conflito, em contraposição, deste ponto de vista, com o próprio socialismo. Porque se é evidente a centralidade do conceito de luta de classe, comum às diferentes versões doutrina socialista, é um facto que o horizonte ideal do socialismo é a resolução deste conflito, através da eliminação das suas causas. Para os liberais, este objetivo não só é factualmente impossível, mas é, também, normativamente questionável, pois qualquer tentativa de compressão do conflito social conduz a um empobrecimento económico e social. Assim, por exemplo, Burnham: “The elimination of the class struggle would, like the elimination of blood-circulation in the individual organism, while no doubt getting rid of many aliments, at the same time mean death” (Burnham 1943: 226).

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Outros artigos


Autoridade; Classe Social; Democracia; Governo; Poder; Representação .


Como citar este artigo

Damele, G. “Elite”. Dicionário de Filosofia Moral e Política (2020), 2.ª série, coord. António Marques e André Santos Campos. Lisboa: Instituto de Filosofia da Nova, URL: <http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/elite>.


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DOI: https://doi.org/10.34619/pqfe-3j53


Publicado em: 19 de Junho de 2020

Giovanni Damele

FCSH, Universidade Nova de Lisboa

<giovanni.damele@fcsh.unl.pt>